segunda-feira, 24 de abril de 2017

Tecnologia avança nos rios amazônicos

*Publicado na página de Responsabilidade Social, no jornal O LIBERAL de 28/07/2016

BRENDA PANTOJA
Da Redação

Os rios e as ilhas de Belém são o cenário de atuação do Barco Hacker, projeto de cidadania, tecnologia social e acesso a informação. Com uma proposta inovadora, as ações são realizadas dentro de uma embarcação que leva equipamento eletrônico, especialistas em tecnologia e interessados em intercâmbio cultural. As atividades colaborativas promovidas com as comunidades ribeirinhas têm viés técnico, empreendedor e sustentável e vão desde montar uma trilha do cacau na Amazônia até maratonas para criação de soluções para demandas da população das ilhas.
Em diferentes programações do barco, foram discutidos problemas como a carência na distribuição de medicamentos, formas de tornar a extração de açaí mais segura, identificação de espécies nativas e oficina sobre transparência de dados públicos, entre muitas outras ideias interessantes. A administradora Kamila Brito, 28, é a idealizadora do projeto e colocou o Barco Hacker para navegar pela primeira vez há dois anos. Desde então, mais de 300 viajantes já embarcaram para participar de palestras, workshops e visitas a comunidades.
A iniciativa já foi levada para Manaus, no Amazonas, e a expectativa é que chegue a outras regiões. Para este ano, há mais duas expedições planejadas. A preparação para as atividades começa pelo menos um mês antes, com diálogos com os ribeirinhos para montar a programação e organização de trilhas, conciliando com a rotina da ilha e se preocupando inclusive com as chuvas e a maré, além da articulação de parceiros. O Barco Hacker já reuniu representantes da Wikipédia, do Facebook, empresas de tecnologia e outras instituições de cultura digital e empreendedorismo social.
Kamila conta que a ideia de atravessar o rio e buscar essa integração surgiu na Casa de Cultura Digital do Pará, também fundada por ela, que funcionava como espaço cultural, de consultoria e para soluções em tecnologia da informação. E ela explica o conceito por trás do nome do projeto. “É um barco hacker no sentido de que as rotas seguidas não são as comerciais e também porque quisemos pegar o barco e utilizá-lo para outro fim, que não era o transporte e a pesca, mas sim a criação em um ‘hub’ tecnológico. Ou seja, uma estação de trabalho móvel e experimental”, define.
Ela defende que o projeto tem capacidade de estimular o desenvolvimento da região, proporcionando imersão cultural, turismo de experiência e acesso a tecnologia e informação. “O barco é focado no empreendedorismo, é para tirar as pessoas da zona de conforto e incentivá-las a fazer algo concreto. Uma expedição pode durar dez horas com várias atividades, as coisas ocorrem de forma muito dinâmica no barco”, ressalta. Kamila também destaca que o contato entre viajantes e ribeirinhos ajuda a promover respeito pela cultura e empoderamento dos moradores.
Cada viagem tem um tema e o público é bastante variado. As inscrições costumam ser feitas pela internet, o principal canal de divulgação do projeto. A visibilidade que o Barco Hacker alcançou na rede resultou em contatos de especialistas que querem participar das expedições e em convites para palestras fora do Estado e até do Brasil. Em apenas dois anos, o projeto virou documentário produzido pela EBC sendo exibido em 32 países, matérias em revistas nacionais e destaque no Global Innovation Gathering, evento mundial de inovação na Alemanha onde Kamila palestrou. Pelo trabalho, ela também foi mencionada como uma das mulheres inspiradoras de 2015, na categoria Tecnologia, pelo site Think Olga.

TRILHA
Neste ano, o Barco Hacker sediou dois encontros. O primeiro, em março, foi a Nova Trilha do Cacau na Amazônia, que levou cerca de 80 pessoas a comunidade do Bom Jardim, em Barcarena, para conhecer melhor a cadeia produtiva do cacau de várzea. A trilha estruturada em parceria com os moradores teve duas horas de duração e teve algumas espécies de plantas catalogadas. A programação incluiu, ainda, uma experiência gastronômica proporcionada pelos chefs paraenses Ofir Oliveira e Artur Bestene e a presença de produtores locais de chocolates da Amazônia, como as marcas Nayah, De Mendes, Cacau Way e Kaiporas.
Os representantes falaram sobre os desafios do mercado paraense, empreendedorismo, custos amazônicos de produção e logística de importação, obstáculos a serem vencidos para que os chocolates regionais sejam comercializados por todo o Brasil. Em junho, o tema principal foi a inovação, por meio da Maratona Maker Intel, o primeiro evento do barco voltado exclusivamente para crianças e adolescentes. Durante dois dias, alunos de escolas públicas de Belém, incluindo da Ilha do Combu, assistiram a palestras e usaram a tecnologia para desenvolver equipamentos que podem ajudar na realidade local.
Segundo Kamila Brito, foram dessas jovens mentes que surgiram ideias como um sensor que pudesse ser instalado no açaizeiro para monitorar o amadurecimento do fruto. Isso reduziria o risco de alguém se machucar subindo para verificar, tarefa comum onde a colheita de açaí é uma atividade forte. Outra sugestão foi um sistema que comunicasse quando uma embarcação estivesse de aproximando da casa ou do cais. “Os meninos e meninas disseram que acontece de esperarem por muito tempo na margem a chegada do barco que os leva para escola, da embarcação de algum parente ou ainda de um barco para atravessar para Belém”, diz. 
Um dos principais desafios para a administradora é conseguir apoio do governo e de empresas. “Muitas empresas ainda não prestaram atenção no potencial que esse tipo de projeto tem e quanto isso pode gerar impacto e de retorno para ela, através dos funcionários”, afirma. Ela quer tornar a agenda do Barco Hacker mais constante e diversificar os temas das expedições. Sempre com a mente fervilhando de ideias, Kamila pensa em realizar oficinas de metarreciclagem, que parte do princípio de reutilização de equipamentos e apropriação da tecnologia para a transformação social. Recentemente, o Facebook lançou a campanha #ElaFazHistória, que contará com eventos de capacitação para Mulheres Empreendedoras nas cinco regiões do Brasil e ela foi convidada para palestrar em Belém, que deve sediar o encontro no fim de agosto.

Iniciativa social prioriza a democratização do conhecimento na região

Cláudio Miranda Cardoso, 43, é pastor da Igreja Evangélica Assembleia de Deus, além de coordenador de Relações Públicas da Associação de Moradores, Extrativistas e Pescadores da Ilha do Combu (AMEPI), onde vive há sete anos. Ele acompanhou de perto a realização da Maratona Maker Intel e percebeu que a comunidade ficou empolgada com o projeto. “Foi um projeto diferente do que estamos acostumados a ver, atraiu a atenção de crianças, jovens e adultos, estimulou o raciocínio e o desenvolvimento deles. Por um tempo, os moradores estiveram desconfiados com a chegada de projetos sociais na ilha, mas o Barco Hacker foi uma experiência muito boa e que já aguardamos novamente”, comenta.
Ele considera bastante válida a iniciativa de democratizar a tecnologia em uma região “onde o fornecimento de energia elétrica chegou somente há quatro anos e meio”. Com 480 famílias, a população gira em torno de sete mil pessoas e, embora haja problemas de saneamento e infraestrutura, o uso de celulares, smartphones e tablets se popularizou. “Computadores e notebooks são mais difíceis de manter aqui, pois a energia ainda é instável, mas para a geração mais nova, que já está mais acostumada com os aparelhos eletrônicos, aprender mais sobre tecnologia estimula a aprender mais, a se informar melhor”, observa.
Em tempos de eleição, a informação é a palavra-chave. “Podemos usar a internet para integrar e mobilizar os moradores para cobrarmos os candidatos à prefeitura de Belém sobre as propostas para as ilhas. Queremos, inclusive construir um espaço próprio para receber esses tipos de ações. Esperamos ver mais boas ideias como essa, mas sabemos que para isso precisa ter um esforço conjunto de empresas, governo e pessoas”, complementa.
A parceria com a Intel para a Maratona Maker ainda não acabou. A ação incluiu uma oficina na Fundação Cultural do Pará Curro Velho e se trata, na verdade, de uma competição nacional. As ideias que surgiram no Barco Hacker podem continuar sendo aprimoradas pelos grupos e podem ser inscritas no site www.maratonamaker.com.br até o dia 30 de setembro. Os 50 melhores projetos serão selecionados e receberão um kit para construir um protótipo, com assistência de profissionais via web. Três equipes vencedoras serão selecionadas e ganharão a Innovation Trip: uma viagem para São Paulo com diversas atividades de formação.
A gerente de assuntos corporativos da Intel Brasil, Fernanda Sato, frisa que mesmo os alunos que não participaram dos dias de Maratona, mas tem uma boa ideia tecnológica para resolver problemas da comunidade podem se inscrever. “O nosso objetivo é desmistificar a tecnologia para o público jovem. Levar a Maratona para a região Norte e para os estudantes das ilhas faz com que eles percebam que não precisam ser apenas consumidores e usuários de tecnologia. Também podem desenvolver tecnologia, ver que isso não é algo inalcançável. Também faz com que eles reflitam sobre questões do lugar onde moram e como podem melhorar, se tornando transformadores e não só esperando que o poder público faça algo”, pontua.

Conheça mais sobre o Barco Hacker
Site: www.barcohacker.com.br
Facebook: www.facebook.com/barcohacker
E-mail: capitao@barcohacker.com.br 

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