quinta-feira, 13 de abril de 2017

Chefs levam receitas às comunidades

*Publicado na página de Responsabilidade Social, no jornal O LIBERAL de 26/05/2016

BRENDA PANTOJA
Da Redação

A cozinha é um lugar inspirador que estimula a criatividade e a agilidade dos amantes da culinária, seja em um restaurante renomado ou em um ambiente doméstico. Representantes da gastronomia profissional se encontram, hoje e amanhã, com moradores de comunidades atendidas pelo projeto Pro Paz nos Bairros para trocar experiências no evento “Chefs na Comunidade”. A atividade faz parte do 14º Festival Ver-O- Peso da Cozinha Paraense e vai contar com quatro chefs convidados que darão aulas para pessoas interessadas no tema. A proposta é ensinar a um público de baixa renda algumas técnicas de melhor aproveitamento de alimentos, novas receitas e até dicas de empreendedorismo.
Testar diferentes combinações de ingredientes e temperos ou preparar um prato especial com carinho para a família é muito gratificante para a dona de casa Maria Auxiliadora Barros Maciel, de 41 anos. Moradora do bairro do Guamá, ela vai participar das aulas e já está ansiosa para colocar em prática tudo o que aprender. “A culinária faz parte do meu trabalho porque trabalhei em casa de família por muitos anos. Agora estou afastada há uns dois meses para cuidar da saúde, mas ficar parada me deixa meio triste e preocupada. Participar desse evento vai ser ótimo para desenvolver minhas habilidades”, comenta.
A programação será realizada no polo do Pro Paz no Mangueirão e ela soube da oportunidade através do filho, que participa das atividades do projeto no bairro onde moram. “Meu filho me inscreveu porque achou que seria interessante para mim. Sempre gostei de cozinhar, sei fazer refeições, doces e salgados. É muito bom aprender mais, hoje em dia quem tem experiência além do básico na cozinha pode encontrar muitas portas abertas”, acrescenta. Maria demonstra a aptidão pela área na montagem dos pratos e na higiene no manuseio dos alimentos. “Me ensinaram que as pessoas comem primeiro com os olhos. Para quem trabalha como empregada doméstica, é preciso ser criativa e rápida para não perder muito tempo só cozinhando”, diz. Ela também pensa em aproveitar o contato com os chefs para tirar várias dúvidas e planeja usar os dotes culinários para garantir uma renda extra. “Em breve, quero investir na venda de alimentos. Estamos querendo comprar um carro, onde vou vender lanches e café da manhã. Para isso, pretendo tirar a carteirinha de manipulação e fazer tudo certo”, afirma.
A chance de participar das oficinas a deixou com vontade de pesquisar mais sobre o assunto, o que vai ser útil inclusive na hora de seguir uma dieta mais equilibrada, pois ela foi diagnosticada com diabetes recentemente. No bairro do Tenoné, a dona de casa Shirley de Oliveira, 29, também tem boas expectativas para o “Chefs na Comunidade”. Com os ensinamentos que recebeu da avó, da mãe e das tias, ela pegou gosto pelo ato de cozinhar e faz diariamente, com amor, a comida que vai para a mesa da família. 
Além de ter trabalhado por algum tempo como empregada doméstica, Shirley cultiva a ideia de reunir outras mulheres do bairro para montar uma cooperativa de cozinheiras ou trabalharem juntas na venda de refeições. “Vejo essa possibilidade porque sabendo cozinhar direitinho, dá para vender bem. Ainda não é um projeto formado, mas acho que é uma boa ideia e quem sabe depois dessas aulas outras mulheres não se animam?”, completa. A conversa com os profissionais vai ajudá-la a repensar hábitos e encontrar alternativas de consumo. “Eu tinha o costume de fazer sobremesa para comer depois do almoço, mas tivemos que diminuir isso porque está tudo muito caro. Antes eu comprava os ingredientes para fazer doce e estocava, hoje em dia só compro em ocasiões especiais”, conta.

SEM DESPERDÍCIO
O visionário chef Edinho Amado, mineiro radicado na Bahia, participará do evento com uma aula intitulada “Não desperdice nada” e é convidado do festival pela primeira vez. “Estou curioso para conhecer Belém e discutir gastronomia não só com pessoas que estudam o assunto, mas com a comunidade no geral. Vou ensinar algumas receitas, sempre buscando usar produtos que não são utilizados comumente e aproveitar integralmente os ingredientes”, explica. Cascas em geral, caroço de jaca e coração de bananeira são alguns dos itens que o chef usará como exemplo.
Para ele, é desnecessário se prender a poucos ingredientes e se dar ao luxo de desperdiçar sobras que podem compor pratos saudáveis e gostosos. “Precisamos pensar de forma mais atual. Vários chefs já falam em aproveitar os animais de cabo a rabo e podemos fazer o mesmo com hortaliças e frutas”, defende. 
O reconhecido chef Carlos Kristensen, do Rio Grande do Sul, é um dos maiores defensores e divulgadores dos ingredientes gaúchos no Brasil. Durante a atividade, ele vai conversar com os participantes sobre a valorização da cultura tradicional. “Vou falar sobre o projeto Internacionalmente Local,  que realizamos há cinco anos no Sul. A ideia é trabalhar com os pequenos produtores, fortalecendo o modo tradicional de fazer, o saber popular, para que as próximas gerações não percam esse conhecimento e essa técnica. Ao fazer esse resgate, queremos ter ingredientes melhores para quem produz, quem cozinha e quem come”, explica. Ainda segundo ele o debate engloba preços justos e agregação de valor aos produtos, uma discussão com a qual a população da região amazônica também pode se identificar. 
Kristensen ressalta que é importante conscientizar sobre a preservação de aspectos históricos, sociais e culturais da gastronomia. “Falar sobre isso com a comunidade é muito legal porque na correria do dia a dia, é fácil esquecer desses aspectos. Trouxe produtos para os participantes degustarem, vou falar de técnicas de preparo tipicamente gaúchas, vai ser uma troca muito boa”, conclui. O evento terá a presença do chef Rivandro França, que era técnico de enfermagem antes de investir na gastronomia. Ele começou vendendo bombons recheados com sabores do Nordeste e hoje comanda um dos restaurantes mais disputados de Recife. 
O chef Agenor Maia, do Distrito Federal, que tem vasta experiência com a cozinha contemporânea sem deixar de lado as bases culinárias adquiridas com a avó, também ministrará uma aula.

Festival abre espaço para a valorização dos empreendedores locais

Joanna Martins é a diretora executiva do Instituto Paulo Martins, realizador do Festival. Ela destaca que o “Chefs na Comunidade” integra há pelo menos quatro edições a programação intensa. De acordo com ela, o objetivo é que sejam aulas com ideias de receitas inovadoras e de baixo custo. “Nossa intenção é que os participantes utilizem o conhecimento adquirido para geração de renda mesmo. Queremos ensinar e inspirar. A gastronomia, acima de tudo, é comida feita com cuidado e não depende de ingredientes requintados, isso é nítido nas nossas visitas às comunidades”, ressalta.
As aulas quebram um pouco da “glamourização” da cozinha e mostram que é uma boa oportunidade de trabalho, ainda mais com o mercado local precisando de profissionais qualificados. Esse é o primeiro ano em parceria com a Fundação Pro Paz, mas a atuação com o público de baixa renda faz parte da missão do Instituto, que promoveu um curso de capacitação no ano passado e pretende abrir nova turma ainda esse ano. Ao todo, 200 pessoas vão integrar as turmas no polo do Mangueirão e o Pro Paz convidou os chefs paraenses Artur Bestene e Jeferson Medeiros para complementar o dia de aprendizado com um bate-papo sobre empreendedorismo, compartilhando cases de sucesso.
O presidente da Fundação, Jorge Bittencourt, acredita que o evento pode incentivar a economia local e o crescimento de pequenos empreendedores. “Muitas pessoas têm talento, às vezes vendem comidas em casa ou pequenos estabelecimentos, mas não tem os conhecimentos básicos de como fazer o negócio prosperar. Estamos trazendo pessoas que assim como elas, começaram de algum lugar e hoje conseguiram crescer e se tornar grandes chefs”, reforça. As aulas serão ministradas exclusivamente aos participantes inscritos previamente por meio do Pro Paz.
No entanto, o festival terá outras programações com viés social abertas ao público. Dois jantares magnos serão realizados nesta semana, mas já estão com ingressos esgotados. Chefs regionais e nacionais criaram pratos especialmente para os jantares e parte da renda arrecadada com a venda de ingressos será revertida para o Instituto Criança Vida. Um dos destaques do Ver-o-Peso da Cozinha Paraense é o Jantar das Boieiras, momento em que os chefs convidados e as boieiras (vendedoras de refeição do mercado) trabalharão em duplas para elaborar os pratos, em um verdadeiro intercâmbio gastronômico.
Realizado há 10 anos, o Jantar tem sido uma excelente chance de aprendizado para Roseane Gomes da Silva, 41, que participa há seis edições. Ela trabalha vendendo refeições no Ver-o-Peso há mais de 20 anos, atividade que aprendeu com a mãe. “O festival me tirou da minha zona de conforto e me abriu várias portas. Através do Instituto fiz um curso de iniciação culinária e posso dizer que saí de lá uma cozinheira muito melhor. Todo Jantar das Boieiras é uma experiência única”, relata. As receitas dela já foram consideradas as melhores do evento por duas vezes e ela está confiante no prato desse ano, pirarucu em camadas com jambu e batata, para conquistar um terceiro título.
Hildely Porpino, a Tieta, 56, é boieira há mais de três décadas e também estará no Jantar pela sétima vez. Vatapá de açaí e arroz paraense com creme de pupunha são algumas de suas criações. Para ela, o evento contribui para divulgar a cultura local para os próprios moradores de Belém. “Tem gente que vive aqui e não vem prestigiar a culinária no Ver-o-Peso. O festival é o momento de maior reconhecimento para nós, é quando a gente sente orgulho do nosso trabalho. É uma grande responsabilidade e um privilégio apresentar os sabores regionais para os chefs de fora. Participar do festival nos estimula a criar, a sempre melhorar. É muito enriquecedor”, declara.
Os chefs Edinho Amado e Carlos Kristensen irão cozinhar no Jantar das Boieiras. “Estou feliz de trabalhar junto com as boieiras e louco para conhecer tudo que Belém tem a oferecer em termos de sabores”, anuncia Amado. “Já sei que a receita da boieira que será minha dupla vai ser isca de carne acebolada. Para acompanhar, eu trouxe na mala o feijão crioulo do Rio Grande do Sul para fazer um mexido, temperado com carnes secas e puxado com farinha de mandioca. Estou animado para esse momento especial”, complementa Kristensen.

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