domingo, 7 de maio de 2017

Unidade garante a reabilitação infantil

*Publicado na página de Responsabilidade Social, no jornal O LIBERAL de 18/08/2016

BRENDA PANTOJA
Da Redação

Uma vez por semana, o estofador de móveis Cipriano Silva, de 54 anos de idade, sai do município de Muaná, na Ilha do Marajó, e enfrenta em média oito horas de viagem de barco para levar a filha Maria Vitória da Silva, de 7 anos, para as sessões de terapia na Unidade de Referência Especializada em Reabilitação Infantil (URE-REI) e Abrigo Especial Calabriano. São duas instituições que funcionam no mesmo espaço, localizado no bairro do Telégrafo, em Belém, e atendem crianças com deficiências neurológicas. É o caso da menina Maria Vitória, dona de um sorriso doce, que tem paralisia cerebral e faz tratamento na unidade há seis anos.
A unidade atende 280 crianças por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), oferece 13 tipos de terapia e contabiliza entre sete e oito mil atendimentos por mês. O Abrigo Especial tem 41 acolhidos, sendo 19 adultos, que foram encaminhadas pelo Juizado da Infância e da Juventude e Conselhos Tutelares por estarem em situação de abandono ou de vulnerabilidade social. O trabalho é realizado há dez anos, através de convênios renovados anualmente com a Secretaria de Estado de Saúde (Sespa) e a Secretaria de Estado de Assistência Social, Trabalho, Emprego e Renda (Seaster).
Uma equipe formada por cerca de 30 profissionais se desdobra para manter a qualidade do serviço oferecido, mas algumas dificuldades no último ano forçaram mudanças no atendimento. Por causa do alto custo com energia elétrica, a hidroterapia, realizada na piscina aquecida e coberta, precisou ser interrompida durante várias semanas. Em alguns casos, o tempo de serviço também foi reduzido para conseguir abrir vagas para novas crianças mantendo o mesmo quadro de funcionários. Pacientes que antes frequentavam a URE-REI duas vezes por semana e passavam 45 minutos por terapia, agora vão uma vez por semana e as sessões duram meia hora. 
“A minha filha tem todo o atendimento que precisa aqui, uma assistência que não temos em Muaná. O desenvolvimento dela tem sido muito bom. Já engatinha, sobe no sofá, na cama, na rede. É bem ativa e muito inteligente. Conhecemos outras crianças que tiveram o mesmo diagnóstico que ela, mas não tiveram condições de continuar o tratamento e hoje em dia ainda não conseguem levantar a cabeça ou sentar”, conta Cipriano. Pela distância e dificuldade de deslocamento, Maria Vitória não consegue viajar para a capital mais de uma vez por semana e acaba faltando às terapias em algumas épocas do ano.
O pai explica que fica complicado fazer o trajeto nos períodos de seguro-defeso e durante o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, pois os barcos saem com a lotação esgotada de passageiros. “É muito desconfortável e ela fica agitada, então a gente também aprendeu a fazer os exercícios em casa, na nossa piscina. Ela estuda em uma escola regular, está na segunda série, gosta de cantar e é o xodó dos irmãos. Tenho fé em Deus que um dia ela vai conseguir andar”, completa.
A dona de casa Maria Maciléia da Silva, de 40 anos, lembra que o filho Rudson da Silva, de 8 anos, só conseguiu andar depois dos quatro anos de idade. Ele também tem paralisia cerebral e o acompanhamento multiprofissional que recebe na URE-REI há dois anos é fundamental para que dê passos cada vez mais seguros. O garoto foi atendido em outras unidades durante seis anos, mas a dificuldade de suporte especializado fez com que o tratamento fosse interrompido por quase um ano. Ela é mãe de outros dois filhos, a família mora à avenida Augusto Montenegro, em Belém, e Rudson tem atividades quase todos os dias da semana, além da escola.
“Há cerca de três meses, o atendimento dele também foi reduzido um pouco na URE-REI, mas ainda trago duas vezes por semana porque não tinha horário para ele fazer tudo só num dia. Para complementar, ele faz natação na UTEES (Unidade Técnica de Ensino Especial), em Icoaraci. Lá também faz o letramento, para ajudar no desempenho escolar”, afirma. Rudson não utiliza cadeira de rodas ou muletas por recomendação médica. Com um sorriso largo no rosto, ele sai da sala de terapia ocupacional andando sozinho em direção à mãe e recebe muitos elogios da terapeuta.
Fã de games, a tecnologia também o ajuda a ler melhor e desenvolver a coordenação motora. “Gosto muito daqui, gosto de ficar na piscina e das sessões de fonoaudiologia. Quando estou em casa, jogo videogame e uso o computador, também tenho joguinhos no celular. Minecraft e The Sims são os meus preferidos”, revela. Ele diz, ainda, que gosta de estudar Matemática e Português e até ajuda os colegas que ficam com dúvidas. Para a mãe, a manutenção da qualidade de atendimento no local é essencial para o progresso do tratamento das crianças.
“Essa unidade de referência sempre teve um diferencial que foi o bom serviço e a frequência de duas vezes por semana. Acho que a tendência deveria ser ampliar e não reduzir essa oferta”, reforça a comerciária Miriam Cecim Pereira, de 39 anos, mãe de Samuel Estevão, de 8 anos, que usa cadeira de rodas e é um menino comunicativo. Ela e o filho, que tem paralisia cerebral, frequentam a URE-REI há quase sete anos e chegaram a ser atendidos em outras unidades. “A vantagem daqui sempre foi a continuidade. Isso impacta o desenvolvimento dos pacientes, com certeza. Em outros lugares, são atendimentos de meia hora, às vezes com intervalo de 15 dias”, relata ela, que assim como outras mães e pais, torcem pela melhoria das condições do espaço.

Abrigo promove 19 adoções de crianças com necessidades especiais

No ano passado, foram registradas 143 adoções de crianças e adolescentes com alguma deficiência ou doença no Brasil. Em 2013, foram apenas 96 adoções. Os dados são da Corregedoria Nacional de Justiça. Desses 143 meninos e meninas adotados, estão 15 com deficiência física e 15 com deficiência mental. No Abrigo Especial Calabriano, em uma década foram concretizadas 19 adoções. O número é positivo, segundo a diretora Soraia Guimarães. O abrigo é o único do Estado que atende esse público, respeitando suas limitações e promovendo a recuperação e manutenção dos vínculos afetivos com a família biológica ou substituta, bem como buscando encaminhamento aos procedimentos necessários em caso de adoção.
“O governo do Estado é um grande parceiro nosso e esperamos nos reunir e conversar para renovar os convênios o mais breve possível, pois assegurar o desenvolvimento dos pacientes e acolhidos é a nossa prioridade”, enfatiza Soraia. Mesmo com a redução do repasse nas últimas renovações dos convênios, ela destaca que a unidade é referência nacional pelo modelo que adota, além de ser referência no Pará na assistência a crianças com microcefalia, autismo e paralisia cerebral. “Temos uma rede de voluntários e empresas parceiras que nos ajudam doando produtos, tempo e carinho, a exemplo do programa de apadrinhamento afetivo do Tribunal de Justiça do Estado”, acrescenta.
De acordo com a psicóloga Brenda Castro, ainda que o abrigo garanta atendimento médico, que tenha acolhidos estudando em escolas regulares e especializadas, e que tenha parcerias para a realização de cursos profissionalizantes como panificação e confeitaria, algumas pessoas não conseguem ser adotadas ou reinseridas no convívio familiar e nem conquistam autonomia. “Tem acolhidos traqueostomizados, que necessitam de fisioterapia respiratória e de atenção constante. Mesmo assim temos adoções. O que a gente percebe é que o quadro de saúde fica em segundo plano quando as famílias conhecem as crianças, eles percebem que isso não justifica não adotar”, pontua.
A área do abrigo e da URE-REI é de 1.100 metros quadrados, com instalações amplas, modernas e acessíveis que incluem piscina, dormitórios, jardins, berçário e salas separadas para cada atividade. Fica localizado à avenida Senador Lemos, 1.431, no bairro do Telégrafo, e o funcionamento é de segunda-feira a sexta-feira, das 7 às 18 horas, e todo sábado pela manhã, quando é a vez dos acolhidos realizarem as terapias e quando as portas são abertas para os voluntários visitarem e interagirem com eles. O telefone para contato é 3244-5714. Na próxima quinta-feira, serão comemorados os 10 anos de funcionamento da unidade. Uma missa será celebrada na paróquia São Raimundo Nonato, à avenida Senador Lemos, às 9 horas.

terça-feira, 2 de maio de 2017

Verdadeira prática do amor ao próximo

*Publicado na página de Responsabilidade Social, no jornal O LIBERAL de 11/08/2016

BRENDA PANTOJA (texto e fotos)
Da Redação

Em uma manhã de sábado com sol forte, as salas do Centro Espírita Trabalho e Solidariedade (Cetrasol), no bairro do Tapanã, estão cheias de pessoas de todas as idades que buscam aprender mais sobre si mesmo e o relacionamento com os outros. As reuniões são realizadas semanalmente há quase nove anos e a instituição atende cerca de 250 pessoas, oferecendo também outras atividades como aulas de cidadania, canto e violão, recreação infantil e ações sociais. Fundada e coordenada por um grupo de amigos voluntários, o Centro caminha para uma década de trabalho com novos projetos em vista. A meta mais urgente é a cobertura da quadra de esportes.
Para a garotada moradora de um bairro localizado na periferia de Belém, onde quase não há espaços públicos de lazer que sejam seguros, o calor escaldante não impede a diversão na quadra do centro. Mesmo assim, os voluntários desejam oferecer mais conforto e melhorar a infraestrutura da sede, que conta com 11 salas de estudo no andar superior e mais 11 salas embaixo, utilizadas pela creche municipal Nosso Lar. Segundo o presidente do Cetrasol, Luiz Lopes, a construção de um centro de profissionalização é um projeto a longo prazo.
Boa vontade, amor ao próximo, trabalho em equipe e planejamento são alguns dos elementos destacados por ele como fundamentais na construção de uma rede de solidariedade. O impacto do trabalho realizado pelo Cetrasol começa de dentro para fora, afirma um dos coordenadores, Júnior Santa Helena. Por meio dessa transformação pessoal, é possível mudar a realidade de muitas pessoas que encontram dificuldades para ter acesso a direitos básicos, como ensino de qualidade, infraestrutura e saneamento, capacitação profissional, lazer e segurança.
A atuação da entidade se baseia na simplicidade e a atenção concedida aos assistidos, que vem não só do Tapanã, mas também do centro de Belém e até da ilha de Cotijuba. Lopes observa que muitos renovam as esperanças e vislumbram novas perspectivas a partir do que aprendem sobre a doutrina espírita, do aconselhamento, da oferta de atividades complementares que ocupam o tempo das crianças e adolescentes e do incentivo ao estudo e qualificação, além de serem beneficiados por ações
pontuais como cortes de cabelo, atendimento médico, bazar e distribuição de brinquedos e cestas básicas. É o caso da família de Kerline da Silva, de 30 anos, que frequenta o espaço com os quatro filhos, sobrinha e marido.
Ela conheceu o trabalho do Cetrasol há sete anos e passou um tempo desempregada, mas hoje é funcionária da creche municipal, além de ajudar como voluntária aos finais de semana. “Os meus filhos começaram a vir ao Centro convidados por um amiguinho, mas eu tinha um certo preconceito. Até que o caçula ficou um pouco doente e eu não tinha condições de levar ao médico. Uma das voluntárias me ajudou e criamos uma relação de confiança”, resume. Depois de três anos, ela fez o curso de evangelizadora e passou a dar aulas na creche que funciona somente aos sábados, para que os pais possam participar das reuniões.
“Tenho esse lugar como a minha segunda casa. Se não consigo vir no sábado, passo a semana triste. Os ensinamentos sobre como se relacionar melhor nos ajudou muito lá em casa. Era algo que precisávamos muito porque a gente não sabia sentar e escutar, então tinha muito grito e era difícil a gente se entender. Nós aprendemos a nos comunicar melhor, não que a gente seja perfeito, mas em comparação a como era antes, já estamos 90% melhor e até a convivência com os vizinhos ficou menos turbulenta”, relata.

LAZER E QUALIDADE
O bairro tem alto índice de violência e ela se preocupa com a segurança dos filhos. “A visita ao Cetrasol é o momento de lazer com qualidade que os meus filhos têm durante a semana. Aqui no Tapanã não tem áreas públicas de lazer, e muitas famílias, com medo, ficam trancadas dentro de casa. Aqui eles se sentem soltos pra brincar e sabemos que estão longe de más influências. O centro só veio ajudar a comunidade local”, afirma. Os filhos e a sobrinha de Kerline têm entre 5 e 13 anos.
Rodrigo Silva, 13, é o filho mais velho e o sorriso largo não esconde a alegria que sente em frequentar o local. Acompanhado dos irmãos e amigos, ele cita as coisa que mais gosta de fazer. “As atividades com cartolina e pintura na sala sempre são legais. Também gosto de praticar esportes como queimada, bandeirinha e vôlei. Aqui a gente aprende a honrar pai e mãe, amar o próximo, não brigar com o irmão, fazer coisas boas...”, conta. Ele também participa da iniciativa “Anjos da Guarda” da Guarda Municipal de Belém (GMB), que é realizado na sede do Cetrasol, onde toca flauta e quando está em casa gosta de assistir televisão e jogar “tacobol” na rua. “Mas a minha mãe não gosta que eu fique muito tempo na rua porque é perigoso”, completa.
O projeto “Anjos da Guarda” é um programa pedagógico da Prefeitura de Belém que, através da Guarda Municipal, ensina regras de conduta social e estimula a cidadania em crianças e jovens no bairro do Tapanã. Atualmente atende em torno de 120 crianças e adolescentes participantes na faixa etária de 7 a 16 anos. Desde a sua criação já beneficiou mais de duas mil famílias e tem sido uma parceria de sucesso com o Cetrasol há três anos. O presidente do Centro explica que a agenda semanal inclui, ainda, palestras sobre a doutrina espírita, abertas ao público toda quarta-feira. Recentemente, eles receberam a doação de um terreno localizado na mesma rua. Lá planejam construir o Centro Profissionalizante do Tapanã, um sonho antigo para beneficiar a comunidade.

O mais importante é saber ouvir e compreender o problema do outro

A enfermeira Larissa Barros, 25, vai às reuniões do Centro há dois anos e o contato com o trabalho voluntário trouxe mudanças positivas para a vida pessoal e profissional. “Casei e fui mãe bem nova, mas sempre tive vontade de ajudar os outros de forma prática, pensei nisso até na hora de escolher a profissão. No espiritismo, a caridade é o principal legado e não se resume a dar comida. Hoje entendo
que também é ouvir e identificar as necessidades do outro e isso começa dentro de casa. Trabalho com funcionários e aqui aprendi a ser mais compreensiva com os problemas dos outros”, diz.
Isis Castro, 15, é estudante e participante ativa do Cetrasol desde os nove anos de idade. Além da evangelização, já fez aulas de violão e participou do projeto da GMB. Para ela, a relação próxima com os voluntários ajuda muita gente “a colocar a cabeça no lugar”. “Vejo muita gente no bairro que precisa de uma conversa, um carinho, um abraço. Admiro muito o trabalho deles, porque são muito solidários. Eu já fui muito ajudada aqui, além de bens materiais, com conselhos. Sinto vontade de ser colaboradora daqui no futuro”, conclui a adolescente, que costuma ir ao centro com cinco irmãos, a mãe e a avó.
Como funcionária da entidade, Cleyse Carneiro, 36, trabalha de segunda a sexta. No entanto, isso não a impede de estar lá todo sábado para ajudar como voluntária. Ela começou a assistir as palestras ano passado, manifestou desejo de ser voluntária e foi contratada há dois meses. A oferta veio na hora certa, pois estava desempregada há algum tempo. Mãe de quatro filhos, ela acredita que o trabalho social traz mais esperança aos moradores. “Quando a gente se sente melhor conosco, consegue lidar melhor com as adversidades, além de ser uma instituição em que muitas mães e pais confiam de mandar os filhos”, avalia.

Para os coordenadores, ainda há muitos desafios para superar

Em anos anteriores, o centro chegou a promover cursos de corte e costura, informática, entre outras turmas, mas a vontade dos coordenadores é consolidar esse projeto. “Pensamos que ainda fazemos muito pouco. Ainda temos muito mais para realizar e muitos desafios para superar. Mas já nos deixa altamente felizes saber que fomos aceitos pela comunidade”, diz Lopes.
Ele espera que o modelo adotado – mais de 30 voluntários, coordenados por sete pessoas – possa encorajar outros grupos a realizarem ações do tipo em outros bairros de Belém, contribuindo para o bem-estar da sociedade. “Não é difícil, precisa principalmente de boa vontade e amor para se articular. Muita gente pensa apenas no dinheiro. A grande sacada é o grupo, as pessoas se unindo. As pessoas contribuem de um jeito ou outro, seja com recurso ou serviço. Em um trabalho voluntário você se realiza, se avalia e se torna alguém melhor também”, comenta.
Junior Santa Helena reforça a importância de fazer com que crianças, jovens, adultos e idosos reflitam “sobre o seu verdadeiro papel enquanto indivíduo na sociedade”. “Aqui temos uma constante troca. Temos ensinamentos belíssimos de pessoas que não tem quase nenhum recurso financeiro, mas praticam a solidariedade. Vemos aqui alguns heróis que saem para vender bombom e sustentar os filhos, mães que estão aqui só acreditando em Deus porque as circunstâncias são muito complicadas, mas nem por isso, deixam de dividir o pouco que tem”, pontua. 
Eles ressaltam que a cobertura da quadra será o complemento de um sonho e vai trazer diversos benefícios. A área foi construída três anos atrás, com apoio de empresários colaboradores. De acordo com Lopes, a quadra se torna inviável de ser usada em uma determinada época do ano por causa das chuvas, além do sol inclemente da Amazônia. “Às vezes deixamos de realizar alguns eventos pelo fato de não ter como receber um público um pouco maior ou fazer alguma atividade que exija uma configuração diferente do que a divisão em salas que temos. A chuva já atrapalhou eventos socais também”, acrescenta Junior Santa Helena.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Tecnologia avança nos rios amazônicos

*Publicado na página de Responsabilidade Social, no jornal O LIBERAL de 28/07/2016

BRENDA PANTOJA
Da Redação

Os rios e as ilhas de Belém são o cenário de atuação do Barco Hacker, projeto de cidadania, tecnologia social e acesso a informação. Com uma proposta inovadora, as ações são realizadas dentro de uma embarcação que leva equipamento eletrônico, especialistas em tecnologia e interessados em intercâmbio cultural. As atividades colaborativas promovidas com as comunidades ribeirinhas têm viés técnico, empreendedor e sustentável e vão desde montar uma trilha do cacau na Amazônia até maratonas para criação de soluções para demandas da população das ilhas.
Em diferentes programações do barco, foram discutidos problemas como a carência na distribuição de medicamentos, formas de tornar a extração de açaí mais segura, identificação de espécies nativas e oficina sobre transparência de dados públicos, entre muitas outras ideias interessantes. A administradora Kamila Brito, 28, é a idealizadora do projeto e colocou o Barco Hacker para navegar pela primeira vez há dois anos. Desde então, mais de 300 viajantes já embarcaram para participar de palestras, workshops e visitas a comunidades.
A iniciativa já foi levada para Manaus, no Amazonas, e a expectativa é que chegue a outras regiões. Para este ano, há mais duas expedições planejadas. A preparação para as atividades começa pelo menos um mês antes, com diálogos com os ribeirinhos para montar a programação e organização de trilhas, conciliando com a rotina da ilha e se preocupando inclusive com as chuvas e a maré, além da articulação de parceiros. O Barco Hacker já reuniu representantes da Wikipédia, do Facebook, empresas de tecnologia e outras instituições de cultura digital e empreendedorismo social.
Kamila conta que a ideia de atravessar o rio e buscar essa integração surgiu na Casa de Cultura Digital do Pará, também fundada por ela, que funcionava como espaço cultural, de consultoria e para soluções em tecnologia da informação. E ela explica o conceito por trás do nome do projeto. “É um barco hacker no sentido de que as rotas seguidas não são as comerciais e também porque quisemos pegar o barco e utilizá-lo para outro fim, que não era o transporte e a pesca, mas sim a criação em um ‘hub’ tecnológico. Ou seja, uma estação de trabalho móvel e experimental”, define.
Ela defende que o projeto tem capacidade de estimular o desenvolvimento da região, proporcionando imersão cultural, turismo de experiência e acesso a tecnologia e informação. “O barco é focado no empreendedorismo, é para tirar as pessoas da zona de conforto e incentivá-las a fazer algo concreto. Uma expedição pode durar dez horas com várias atividades, as coisas ocorrem de forma muito dinâmica no barco”, ressalta. Kamila também destaca que o contato entre viajantes e ribeirinhos ajuda a promover respeito pela cultura e empoderamento dos moradores.
Cada viagem tem um tema e o público é bastante variado. As inscrições costumam ser feitas pela internet, o principal canal de divulgação do projeto. A visibilidade que o Barco Hacker alcançou na rede resultou em contatos de especialistas que querem participar das expedições e em convites para palestras fora do Estado e até do Brasil. Em apenas dois anos, o projeto virou documentário produzido pela EBC sendo exibido em 32 países, matérias em revistas nacionais e destaque no Global Innovation Gathering, evento mundial de inovação na Alemanha onde Kamila palestrou. Pelo trabalho, ela também foi mencionada como uma das mulheres inspiradoras de 2015, na categoria Tecnologia, pelo site Think Olga.

TRILHA
Neste ano, o Barco Hacker sediou dois encontros. O primeiro, em março, foi a Nova Trilha do Cacau na Amazônia, que levou cerca de 80 pessoas a comunidade do Bom Jardim, em Barcarena, para conhecer melhor a cadeia produtiva do cacau de várzea. A trilha estruturada em parceria com os moradores teve duas horas de duração e teve algumas espécies de plantas catalogadas. A programação incluiu, ainda, uma experiência gastronômica proporcionada pelos chefs paraenses Ofir Oliveira e Artur Bestene e a presença de produtores locais de chocolates da Amazônia, como as marcas Nayah, De Mendes, Cacau Way e Kaiporas.
Os representantes falaram sobre os desafios do mercado paraense, empreendedorismo, custos amazônicos de produção e logística de importação, obstáculos a serem vencidos para que os chocolates regionais sejam comercializados por todo o Brasil. Em junho, o tema principal foi a inovação, por meio da Maratona Maker Intel, o primeiro evento do barco voltado exclusivamente para crianças e adolescentes. Durante dois dias, alunos de escolas públicas de Belém, incluindo da Ilha do Combu, assistiram a palestras e usaram a tecnologia para desenvolver equipamentos que podem ajudar na realidade local.
Segundo Kamila Brito, foram dessas jovens mentes que surgiram ideias como um sensor que pudesse ser instalado no açaizeiro para monitorar o amadurecimento do fruto. Isso reduziria o risco de alguém se machucar subindo para verificar, tarefa comum onde a colheita de açaí é uma atividade forte. Outra sugestão foi um sistema que comunicasse quando uma embarcação estivesse de aproximando da casa ou do cais. “Os meninos e meninas disseram que acontece de esperarem por muito tempo na margem a chegada do barco que os leva para escola, da embarcação de algum parente ou ainda de um barco para atravessar para Belém”, diz. 
Um dos principais desafios para a administradora é conseguir apoio do governo e de empresas. “Muitas empresas ainda não prestaram atenção no potencial que esse tipo de projeto tem e quanto isso pode gerar impacto e de retorno para ela, através dos funcionários”, afirma. Ela quer tornar a agenda do Barco Hacker mais constante e diversificar os temas das expedições. Sempre com a mente fervilhando de ideias, Kamila pensa em realizar oficinas de metarreciclagem, que parte do princípio de reutilização de equipamentos e apropriação da tecnologia para a transformação social. Recentemente, o Facebook lançou a campanha #ElaFazHistória, que contará com eventos de capacitação para Mulheres Empreendedoras nas cinco regiões do Brasil e ela foi convidada para palestrar em Belém, que deve sediar o encontro no fim de agosto.

Iniciativa social prioriza a democratização do conhecimento na região

Cláudio Miranda Cardoso, 43, é pastor da Igreja Evangélica Assembleia de Deus, além de coordenador de Relações Públicas da Associação de Moradores, Extrativistas e Pescadores da Ilha do Combu (AMEPI), onde vive há sete anos. Ele acompanhou de perto a realização da Maratona Maker Intel e percebeu que a comunidade ficou empolgada com o projeto. “Foi um projeto diferente do que estamos acostumados a ver, atraiu a atenção de crianças, jovens e adultos, estimulou o raciocínio e o desenvolvimento deles. Por um tempo, os moradores estiveram desconfiados com a chegada de projetos sociais na ilha, mas o Barco Hacker foi uma experiência muito boa e que já aguardamos novamente”, comenta.
Ele considera bastante válida a iniciativa de democratizar a tecnologia em uma região “onde o fornecimento de energia elétrica chegou somente há quatro anos e meio”. Com 480 famílias, a população gira em torno de sete mil pessoas e, embora haja problemas de saneamento e infraestrutura, o uso de celulares, smartphones e tablets se popularizou. “Computadores e notebooks são mais difíceis de manter aqui, pois a energia ainda é instável, mas para a geração mais nova, que já está mais acostumada com os aparelhos eletrônicos, aprender mais sobre tecnologia estimula a aprender mais, a se informar melhor”, observa.
Em tempos de eleição, a informação é a palavra-chave. “Podemos usar a internet para integrar e mobilizar os moradores para cobrarmos os candidatos à prefeitura de Belém sobre as propostas para as ilhas. Queremos, inclusive construir um espaço próprio para receber esses tipos de ações. Esperamos ver mais boas ideias como essa, mas sabemos que para isso precisa ter um esforço conjunto de empresas, governo e pessoas”, complementa.
A parceria com a Intel para a Maratona Maker ainda não acabou. A ação incluiu uma oficina na Fundação Cultural do Pará Curro Velho e se trata, na verdade, de uma competição nacional. As ideias que surgiram no Barco Hacker podem continuar sendo aprimoradas pelos grupos e podem ser inscritas no site www.maratonamaker.com.br até o dia 30 de setembro. Os 50 melhores projetos serão selecionados e receberão um kit para construir um protótipo, com assistência de profissionais via web. Três equipes vencedoras serão selecionadas e ganharão a Innovation Trip: uma viagem para São Paulo com diversas atividades de formação.
A gerente de assuntos corporativos da Intel Brasil, Fernanda Sato, frisa que mesmo os alunos que não participaram dos dias de Maratona, mas tem uma boa ideia tecnológica para resolver problemas da comunidade podem se inscrever. “O nosso objetivo é desmistificar a tecnologia para o público jovem. Levar a Maratona para a região Norte e para os estudantes das ilhas faz com que eles percebam que não precisam ser apenas consumidores e usuários de tecnologia. Também podem desenvolver tecnologia, ver que isso não é algo inalcançável. Também faz com que eles reflitam sobre questões do lugar onde moram e como podem melhorar, se tornando transformadores e não só esperando que o poder público faça algo”, pontua.

Conheça mais sobre o Barco Hacker
Site: www.barcohacker.com.br
Facebook: www.facebook.com/barcohacker
E-mail: capitao@barcohacker.com.br 

quinta-feira, 20 de abril de 2017

A beleza das gemas vegetais

*Publicado na revista Amazônia Viva, nº 55, março/2016 


A floresta amazônica contém uma vasta gama de cores. Uma mesma planta pode apresentar diferentes tonalidades em suas sementes, folhas, frutos e casca. Essa variedade de pigmentos é a principal matéria prima do pesquisador e ourives Paulo Tavares, 53, que desenvolveu as gemas vegetais. 
O pigmento extraído de urucum, açaí, pimentas e várias outras espécies, combinado com resinas naturais e sintéticas, é o que forma uma gema vegetal. Uma vez pronta, ela vai adornar peças de cobre, prata ou ouro para compor joias que não só são inspiradas na Amazônia, como também carregam um pouco dela na sua composição. 
Paulo trabalha como ourives desde os 16 anos e, motivado por uma inquietação com a cadeia de produção do setor, começou a estudar formas de praticar a arte da joalheria de forma mais sustentável. A técnica das gemas vegetais, desenvolvida e aprimorada por ele ao longo dos últimos 15 anos, está em processo de patenteamento e é baseada na redução do impacto ambiental e na valorização da cultura regional. Nascido no Arquipélago do Marajó, a vivência de caboclo contribuiu para essa consciência e conhecimento empírico. "A ideia não é devastar a natureza para obter os pigmentos, mas sim fazer a comunidade entender que manter a floresta em pé também é fonte de renda", afirma.
Em sua oficina, estão espalhadas dezenas de caixas e vasilhas rotuladas com códigos decifrados apenas por ele mesmo, onde estão guardados exemplares de matéria prima que são estudados e catalogados. As gemas podem surgir dos frutos, como cupuaçu, castanha e pupunha ou de ingredientes da culinária local, como o tucupi e jambu, e ainda do uso de cascas e outros elementos das árvores de caimbé, miriti, andiroba, pau-brasil e pau-rosa. Os próprios aglutinantes utilizados são retirados do jatobá e do breu branco, por exemplo.
As possibilidades de criação são enormes para ele e a empresária Mônica Matos, responsável pela elaboração e comercialização das joias, em uma parceria que já dura dez anos. As gemas orgânicas, com dureza semelhante a de uma pérola, podem substituir na joalheria algumas gemas minerais como granada, turmalina e vários tipos de quartzo. "O processo pode demorar de uma semana a meses, pois é bem artesanal, desde a coleta do material até a fabricação das gemas vegetais, através de desidratação e trituração, e das joias. Ao recolher as cascas e frutos, retiramos apenas aquilo que é descartado naturalmente para não prejudicar a renovação da espécie", explica Paulo Tavares.
As primeiras peças fabricadas estão com 12 anos e não apresentam deformidade e perda de cor, asseguram. "Continuamos estudando para aprimorar a técnica e o nosso objetivo é chegar a um produto 100% natural, sem o uso das resinas de laboratório", destaca Paulo. Segundo ele e Mônica, o próximo passo é organizar comunidades para fornecerem a matéria prima, com a intenção de gerar renda para as pessoas que precisam e transformar o modelo econômico de algumas localidades. Somente no ano passado, eles conseguiram plantar mais de 300 mudas de pau-brasil e pau-rosa, ameaçadas de extinção, na Região Metropolitana de Belém. 
O trabalho já rendeu reconhecimento internacional, conta Mônica Matos, que ganhou um prêmio na Itália pelo pingente Curuatá, que representa o invólucro que protege os frutos das palmeiras e também serve de recipiente para o que é coletado na floresta. A peça foi confeccionada em cobre e recebeu uma gema vegetal feita do açaí.  Atualmente, está exposta no Museo del Bijou di Casalmaggiore. 
Ela diz que a aceitação do produto no mercado tem surpreendido, demonstrando que a mentalidade dos consumidores está mudando. "Além do fascínio dos compradores de fora, há uma identificação cultural por parte dos clientes da região. Acho que o produto não deixa a desejar para joias tradicionais, mas sim traz identidade. A Amazônia tem um peso mundial e esse é um produto 100% nosso", pontua.
Ela reforça que tem crescido a quantidade de pessoas que adquirem as joias pela sua forte carga cultural, pois querem usar algo que fale das suas raízes e isso agrega valor à cultura local. Paulo e Mônica integram o programa Polo Joalheiro do Pará, gerenciado pelo Instituto de Gemas e Joias da Amazônia (Igama), e também são procurados por outros produtores da iniciativa, interessados em usar as gemas em suas criações. O design de joias é reconhecido pelo Ministério da Cultura e pela Unesco como um dos setores da chamada economia criativa que pode se tornar uma ferramenta de inclusão social entre populações tradicionais.
Mônica acertou ao apostar nesse mercado, uma vez que levantamentos da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) mostram que o ramo pulou de 148 mil empresas, em 2004, para 251 mil empresas em 2013, num crescimento de 69%. Outro diferencial apontado por ela é que apenas eles dois se envolvem em todas as etapas e "tudo é feito a quatro mãos", incluindo as medidas para evitar o desperdício na oficina de produção.  A água usada no polimento de algumas peças é reaproveitada e até o lixo gerado no espaço tem um destino responsável e criativo. 
"Já apareceram propostas de empresas, mas temos exigências relacionadas ao aproveitamento da floresta e produção limpa. Seria muito fácil vender essa técnica para uma indústria, mas pode virar um produto predador lá na frente. A nossa intenção, desde o começo, era contribuir para um mercado mais consciente", frisa Paulo. Foi a partir dessa preocupação que ele realizou a coleção "Metal-morfose", baseada na reciclagem dos resíduos de metais usados nas unidades produtivas do Polo Joalheiro e em técnicas inovadoras de coloração das peças, por meio de processos químicos. 

RECICLAGEM
O ourives explica que do lixo das oficinas pode se tirar ouro, prata e vários outros metais. "O que antes era jogado na natureza e contaminaria o solo e a água, por conter ácidos pesados, vira novas peças. A terra e os óxidos que sobram desse processo são ricos em nutrientes e se tornam adubo para agricultura", ressalta. O projeto foi promovido em 2014 e contou com o apoio de designers, ourives e empresas. Foi possível extrair pelo menos sete cores por meio da mistura dos minerais extraídos da reciclagem e da técnica de incrustação paraense, também desenvolvida por Paulo, que substitui a esmaltação.
As gemas vegetais foram o destaque da coleção "Digitais da Amazônia", em 2012, lançada por Paulo e Mônica. Elas estão novamente em evidência no Espaço São José Liberto, dessa vez como parte da exposição "Potências Amazônicas: Biodiversidade e Diversidade Cultural na Belém 400 Anos", que pode ser vista até 28 de fevereiro. Um traço em comum das produções coordenadas por ele é a inspiração nas formas da floresta para o formato das peças. 
Em um projeto mais recente, ainda em fase de estudos, ele está criando uma série de "camafeus amazônicos". Inspirado nos adornos que acompanham as mulheres desde a Grécia antiga, Paulo quer retratar as lendas regionais em peças orgânicas com pigmentos e resinas naturais. "A sustentabilidade é a principal característica do nosso trabalho e um dos maiores desafios do setor, ainda mais quando se fala em Amazônia, que perpetua uma tradição de crenças que envolvem o respeito à natureza", diz o pesquisador.

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Universitários mobilizam comunidades

*Publicado na página de Responsabilidade Social, no jornal O LIBERAL de 02/06/2016

BRENDA PANTOJA
Da Redação


Trabalho multidisciplinar, envolvimento com comunidades locais e empreendedorismo social são as maiores marcas do programa Enactus, uma organização internacional voltada para universitários, professores, empresários e executivos que acreditam na mobilização da juventude. Equipes de todo o Brasil vão se reunir no Campeonato Nacional, marcado para o mês que vem em Fortaleza (CE), para compartilhar experiências e disputar uma vaga na etapa mundial.
No Pará, os times estão se preparando para apresentar dezenas de projetos regionais, que prometem não só gerar impacto positivo para populações carentes, mas também contribuir para fortalecer uma rede de futuros profissionais comprometidos com uma visão mais sustentável.
Neste ano, a organização decidiu abrir ao público o evento que reúne as equipes Enactus do país inteiro. A ideia é alcançar mais pessoas e divulgar a iniciativa também para estudantes e docentes do ensino médio, que poderão conhecer trabalhos baseados nos pilares social, econômico e ambiental, voltados a empoderar e solucionar problemas específicos da sociedade. O evento é gratuito, mas as vagas são limitadas e as inscrições estarão abertas até o dia 30 deste mês no site www. enactus.org.br/campeonatonacional/ inscreva-se.
O time da Universidade Federal do Pará (UFPA) sentiu o gostinho da vitória no ano passado, quando foram premiados a Liga Rookie do Campeonato (modalidade para os projetos com menos de um ano). O projeto “Cíclica” deu o título a eles, que esse ano concorrem na liga principal, e consiste em organizar e fortalecer o trabalho dos catadores de lixo que atuam no Centro de Triagem (CT) do canal São Joaquim, no bairro de Val-de-Cans, alguns oriundos do fechamento do Lixão do Aurá. Os acadêmicos aplicam o conhecimento de diversas áreas para empoderar os catadores e torná-los agentes ambientais,gerando emprego e renda a partir da sustentabilidade.
São cerca de 30 catadores vinculados à Associação de Catadores de Coleta Seletiva de Belém (ACCSB), sendo que 58% do público é masculino e a faixa etária é entre 18 e 63 anos. Os integrantes Enactus UFPA formulam estratégias para melhorar o processo da triagem, ensinando técnicas de gestão interna, estudando a logística da coleta e a cadeia produtiva, buscando um comprador final que valorize mais o produto. O líder da equipe e acadêmico de Geologia, Rosinaldo Silveira, 24, detalha os objetivos nas três esferas que embasam o programa.
“Ambientalmente, o projeto visa ampliar e otimizar essa rede de coleta de resíduos, tirando esse material poluente da rua. Economicamente falando, nossa meta é aumentar a renda mensal deles, que hoje gira em torno de R$ 500 para R$ 880. No lado social, identificamos que a maioria dos catadores não tem ensino médio e alguns não sabem ler. Queremos agir nesse âmbito também, promovendo educação para eles”, explica.
A diretora de Projetos e estudante de Direito Érica Rodrigues, 20, lembra que a aproximação com a comunidade exigiu certo tempo, mas respeitar a autonomia deles foi fundamental para ganhar a confiança e conseguirem trabalhar juntos.
Uma das vantagens, segundo ela, é que a associação é bem organizada juridicamente e isso já garantiu alguns avanços antes mesmo da equipe entrar com a assistência. “Recentemente, eles ganharam uma cozinha e material de escritório, além de estarem participando de um edital nacional que os premiará com R$ 10 mil se fizerem algumas adequações no CT até o fim do prazo”, conta. Érica diz que os catadores estão conseguindo cumprir as exigências do edital e já fazem planos para o valor previsto como recompensa.
O desejo é aplicar a quantia na compra de mais maquinário, como uma prensa manual com capacidade superior a 180 quilos ou um triturador. “Atualmente estamos adequando o espaço para melhorar a prevenção de incêndio, orientando sobre equipamentos de proteção individual (EPIs), gestão de documentos, transparência e igualdade de gênero, entre outras ações”, acrescenta. A entidade dispõe de dois caminhões coletores e o time Enactus, ao lado dos catadores, está mapeando locais que disponibilizem materiais com maior valor agregado.
“Não adianta fazer eles reunirem, no fim do dia, uma enorme quantidade de material que vai aumentar o trabalho de triagem e não tem tanto valor comercial. É preciso pensar no que é melhor revendido e pode gerar um saldo mais positivo”, reforça. Em março, os associados passaram por uma capacitação no manuseio de lixo eletrônico, promovida pelo Instituto Gea, de São Paulo, e intermediada pelo time Enactus UFPA. De acordo com Érica, a triagem desses resíduos é um diferencial em Belém e os catadores tem um comprador de Manaus interessado nesse tipo de carregamento.
O time da UFPA tem 29 membros e 9 deles estão diretamente envolvidos com o “Cíclica”. O restante é responsável pelas áreas de marketing, consultoria, planejamento, estudo de viabilidade para outros projetos que devem ser lançados ainda neste ano. Uma das ideias em análise é o “Feira Sustentável”, que vai capacitar feirantes de bairros periféricos. “Participar dessa iniciativa é uma experiência incrível. Sempre gostei da ideia de viver a universidade além dos muros, sempre tive foco multidisciplinar e o Enactus é justamente isso. É muito gratificante unir pessoas de diferentes saberes com o mesmo objetivo, buscando um resultado que vai beneficiar outros”, diz Érica.

Capacitação é fundamental para sucesso de empreendimentos sociais

O termo “ibiratã” vem do tupi-guarani e significa “madeira forte”. Foi o nome que o time Enactus da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) escolheu para o projeto carro-chefe deles. Há pouco mais de um ano, os integrantes investem no planejamento de ação e na sensibilização da comunidade que forma a Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis Visão Pioneira de Icoaraci (Cocavip). A proposta é capacitar e melhorar a geração de renda para 20 homens e mulheres, diretamente, dando outro destino aos paletes (estrados de madeira utilizados para movimentação de caixas em mercados).
A líder do time, Victória Terasawa, 18, estuda Engenharia Ambiental e pontua que os paletes de madeira são comumente descartados por empresas e indústrias da Região Metropolitana de Belém (RMB) e muitas vezes são queimados, poluindo o meio ambiente. Através de treinamentos, os catadores poderão produzir móveis, reutilizar outros materiais e ter um ganho bem maior do que R$ 0,30 por um quilo de ferro, por exemplo. A mobília produzida com baixo custo também será acessível a pessoas de baixa renda.
Composto por 41 estudantes, o time avalia parceria com o Curro Velho para a realização das oficinas. “Eles têm um certo receio de investir em uma nova atividade e nós estamos respeito o processo de decisão dos cooperados. Até porque nosso desejo é seguir trabalhando com eles, ensinar mais sobre empreendedorismo sustentável e futuramente ajudar na melhoria da creche que eles mantêm”, adianta
Victória. A expectativa é que dentro de mais um ano eles estejam produzindo e lançando uma linha de móveis e o projeto foi contemplado no edital de financiamento da Ford College Community Challenge.
A professora Natália Barbosa é a conselheira do time e destaca outros dois projetos em andamento. Na escola estadual Almirante Tamandaré, no bairro da Marambaia, colocaram em prática desde fevereiro o projeto “Geração Sementes do Amanhã”. São atendidas 300 alunos entre o 1º e o 5º ano do ensino fundamental. Os pequenos estão aprendendo a cultivar hortas orgânicas e aprendendo sobre cuidado com o meio ambiente, benefícios de uma boa alimentação e combate ao desperdício. Cerca de 200 mudas estão plantadas no colégio e na UFRA, de hortaliças, tubérculos e plantas frutíferas.
O mais recente é o projeto “Aquarela”, que vai beneficiar os moradores das comunidades afetadas pelo naufrágio da embarcação com cinco mil bois em Barcarena, em outubro do ano passado. “Ainda
não podemos dar muitos detalhes, pois envolve a patente de um produto novo, mas o foco é melhorar a qualidade de vida desses habitantes, que foram profundamente atingidos. O consumo de água, a pesca e o turismo sofreram grande impacto”, resume a professora. A equipe está animada para expor os três cases no Campeonato Nacional, mesmo que estejam em fase inicial, pois consideram o feedback dos jurados de grande ajuda.
O Pará conta com nove times em universidades públicas e privadas principalmente na capital e em Santarém, segundo o coordenador regional do Enactus Diego Lins, 24, formando em Engenharia Ambiental pela Ufra. “O envolvimento tem crescido a cada ano e os projetos estão se consolidando, gerando uma competição saudável e resultados expressivos, com grupos avançando no campeonato e,
mais importante, promovendo transformação social”, afirma. A pluralidade cultural e as carências da região contribuem para uma ampla possibilidade de projetos.
Caio Moura, gerente do programa Enactus Brasil, salienta que “os empreendedores sociais na Amazônia que recebem o estímulo da Enactus Brasil aceleram o processo de mudanças e inspiram outros atores a se engajarem em torno de uma causa comum, engajados na busca por tendências e soluções inovadoras para desafios sociais e ambientais”. O evento nacional incluirá o I Simpósio de Empreendedorismo Social Enactus Brasil e os interessados em participar podem submeter artigos para serem apresentados em forma de banner até dia 20 de junho, pelo site www.enactus.org.br. Neste ano, serão 48 projetos apresentados representando 48 universidades de 14 estados brasileiros.