BRENDA PANTOJA (texto e fotos)
Da Redação
Em uma manhã de sábado com sol forte, as salas do Centro Espírita Trabalho e Solidariedade (Cetrasol), no bairro do Tapanã, estão cheias de pessoas de todas as idades que buscam aprender mais sobre si mesmo e o relacionamento com os outros. As reuniões são realizadas semanalmente há quase nove anos e a instituição atende cerca de 250 pessoas, oferecendo também outras atividades como aulas de cidadania, canto e violão, recreação infantil e ações sociais. Fundada e coordenada por um grupo de amigos voluntários, o Centro caminha para uma década de trabalho com novos projetos em vista. A meta mais urgente é a cobertura da quadra de esportes.
Para a garotada moradora de um bairro localizado na periferia de Belém, onde quase não há espaços públicos de lazer que sejam seguros, o calor escaldante não impede a diversão na quadra do centro. Mesmo assim, os voluntários desejam oferecer mais conforto e melhorar a infraestrutura da sede, que conta com 11 salas de estudo no andar superior e mais 11 salas embaixo, utilizadas pela creche municipal Nosso Lar. Segundo o presidente do Cetrasol, Luiz Lopes, a construção de um centro de profissionalização é um projeto a longo prazo.
Boa vontade, amor ao próximo, trabalho em equipe e planejamento são alguns dos elementos destacados por ele como fundamentais na construção de uma rede de solidariedade. O impacto do trabalho realizado pelo Cetrasol começa de dentro para fora, afirma um dos coordenadores, Júnior Santa Helena. Por meio dessa transformação pessoal, é possível mudar a realidade de muitas pessoas que encontram dificuldades para ter acesso a direitos básicos, como ensino de qualidade, infraestrutura e saneamento, capacitação profissional, lazer e segurança.
A atuação da entidade se baseia na simplicidade e a atenção concedida aos assistidos, que vem não só do Tapanã, mas também do centro de Belém e até da ilha de Cotijuba. Lopes observa que muitos renovam as esperanças e vislumbram novas perspectivas a partir do que aprendem sobre a doutrina espírita, do aconselhamento, da oferta de atividades complementares que ocupam o tempo das crianças e adolescentes e do incentivo ao estudo e qualificação, além de serem beneficiados por ações
pontuais como cortes de cabelo, atendimento médico, bazar e distribuição de brinquedos e cestas básicas. É o caso da família de Kerline da Silva, de 30 anos, que frequenta o espaço com os quatro filhos, sobrinha e marido.
Ela conheceu o trabalho do Cetrasol há sete anos e passou um tempo desempregada, mas hoje é funcionária da creche municipal, além de ajudar como voluntária aos finais de semana. “Os meus filhos começaram a vir ao Centro convidados por um amiguinho, mas eu tinha um certo preconceito. Até que o caçula ficou um pouco doente e eu não tinha condições de levar ao médico. Uma das voluntárias me ajudou e criamos uma relação de confiança”, resume. Depois de três anos, ela fez o curso de evangelizadora e passou a dar aulas na creche que funciona somente aos sábados, para que os pais possam participar das reuniões.
“Tenho esse lugar como a minha segunda casa. Se não consigo vir no sábado, passo a semana triste. Os ensinamentos sobre como se relacionar melhor nos ajudou muito lá em casa. Era algo que precisávamos muito porque a gente não sabia sentar e escutar, então tinha muito grito e era difícil a gente se entender. Nós aprendemos a nos comunicar melhor, não que a gente seja perfeito, mas em comparação a como era antes, já estamos 90% melhor e até a convivência com os vizinhos ficou menos turbulenta”, relata.
LAZER E QUALIDADE
O bairro tem alto índice de violência e ela se preocupa com a segurança dos filhos. “A visita ao Cetrasol é o momento de lazer com qualidade que os meus filhos têm durante a semana. Aqui no Tapanã não tem áreas públicas de lazer, e muitas famílias, com medo, ficam trancadas dentro de casa. Aqui eles se sentem soltos pra brincar e sabemos que estão longe de más influências. O centro só veio ajudar a comunidade local”, afirma. Os filhos e a sobrinha de Kerline têm entre 5 e 13 anos.
Rodrigo Silva, 13, é o filho mais velho e o sorriso largo não esconde a alegria que sente em frequentar o local. Acompanhado dos irmãos e amigos, ele cita as coisa que mais gosta de fazer. “As atividades com cartolina e pintura na sala sempre são legais. Também gosto de praticar esportes como queimada, bandeirinha e vôlei. Aqui a gente aprende a honrar pai e mãe, amar o próximo, não brigar com o irmão, fazer coisas boas...”, conta. Ele também participa da iniciativa “Anjos da Guarda” da Guarda Municipal de Belém (GMB), que é realizado na sede do Cetrasol, onde toca flauta e quando está em casa gosta de assistir televisão e jogar “tacobol” na rua. “Mas a minha mãe não gosta que eu fique muito tempo na rua porque é perigoso”, completa.
O projeto “Anjos da Guarda” é um programa pedagógico da Prefeitura de Belém que, através da Guarda Municipal, ensina regras de conduta social e estimula a cidadania em crianças e jovens no bairro do Tapanã. Atualmente atende em torno de 120 crianças e adolescentes participantes na faixa etária de 7 a 16 anos. Desde a sua criação já beneficiou mais de duas mil famílias e tem sido uma parceria de sucesso com o Cetrasol há três anos. O presidente do Centro explica que a agenda semanal inclui, ainda, palestras sobre a doutrina espírita, abertas ao público toda quarta-feira. Recentemente, eles receberam a doação de um terreno localizado na mesma rua. Lá planejam construir o Centro Profissionalizante do Tapanã, um sonho antigo para beneficiar a comunidade.
O mais importante é saber ouvir e compreender o problema do outro
A enfermeira Larissa Barros, 25, vai às reuniões do Centro há dois anos e o contato com o trabalho voluntário trouxe mudanças positivas para a vida pessoal e profissional. “Casei e fui mãe bem nova, mas sempre tive vontade de ajudar os outros de forma prática, pensei nisso até na hora de escolher a profissão. No espiritismo, a caridade é o principal legado e não se resume a dar comida. Hoje entendo
que também é ouvir e identificar as necessidades do outro e isso começa dentro de casa. Trabalho com funcionários e aqui aprendi a ser mais compreensiva com os problemas dos outros”, diz.
Isis Castro, 15, é estudante e participante ativa do Cetrasol desde os nove anos de idade. Além da evangelização, já fez aulas de violão e participou do projeto da GMB. Para ela, a relação próxima com os voluntários ajuda muita gente “a colocar a cabeça no lugar”. “Vejo muita gente no bairro que precisa de uma conversa, um carinho, um abraço. Admiro muito o trabalho deles, porque são muito solidários. Eu já fui muito ajudada aqui, além de bens materiais, com conselhos. Sinto vontade de ser colaboradora daqui no futuro”, conclui a adolescente, que costuma ir ao centro com cinco irmãos, a mãe e a avó.
Como funcionária da entidade, Cleyse Carneiro, 36, trabalha de segunda a sexta. No entanto, isso não a impede de estar lá todo sábado para ajudar como voluntária. Ela começou a assistir as palestras ano passado, manifestou desejo de ser voluntária e foi contratada há dois meses. A oferta veio na hora certa, pois estava desempregada há algum tempo. Mãe de quatro filhos, ela acredita que o trabalho social traz mais esperança aos moradores. “Quando a gente se sente melhor conosco, consegue lidar melhor com as adversidades, além de ser uma instituição em que muitas mães e pais confiam de mandar os filhos”, avalia.
Para os coordenadores, ainda há muitos desafios para superar
Em anos anteriores, o centro chegou a promover cursos de corte e costura, informática, entre outras turmas, mas a vontade dos coordenadores é consolidar esse projeto. “Pensamos que ainda fazemos muito pouco. Ainda temos muito mais para realizar e muitos desafios para superar. Mas já nos deixa altamente felizes saber que fomos aceitos pela comunidade”, diz Lopes.
Ele espera que o modelo adotado – mais de 30 voluntários, coordenados por sete pessoas – possa encorajar outros grupos a realizarem ações do tipo em outros bairros de Belém, contribuindo para o bem-estar da sociedade. “Não é difícil, precisa principalmente de boa vontade e amor para se articular. Muita gente pensa apenas no dinheiro. A grande sacada é o grupo, as pessoas se unindo. As pessoas contribuem de um jeito ou outro, seja com recurso ou serviço. Em um trabalho voluntário você se realiza, se avalia e se torna alguém melhor também”, comenta.
Junior Santa Helena reforça a importância de fazer com que crianças, jovens, adultos e idosos reflitam “sobre o seu verdadeiro papel enquanto indivíduo na sociedade”. “Aqui temos uma constante troca. Temos ensinamentos belíssimos de pessoas que não tem quase nenhum recurso financeiro, mas praticam a solidariedade. Vemos aqui alguns heróis que saem para vender bombom e sustentar os filhos, mães que estão aqui só acreditando em Deus porque as circunstâncias são muito complicadas, mas nem por isso, deixam de dividir o pouco que tem”, pontua.
Eles ressaltam que a cobertura da quadra será o complemento de um sonho e vai trazer diversos benefícios. A área foi construída três anos atrás, com apoio de empresários colaboradores. De acordo com Lopes, a quadra se torna inviável de ser usada em uma determinada época do ano por causa das chuvas, além do sol inclemente da Amazônia. “Às vezes deixamos de realizar alguns eventos pelo fato de não ter como receber um público um pouco maior ou fazer alguma atividade que exija uma configuração diferente do que a divisão em salas que temos. A chuva já atrapalhou eventos socais também”, acrescenta Junior Santa Helena.
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