BRENDA PANTOJA
Da Redação
Uma vez por semana, o estofador de móveis Cipriano Silva, de 54 anos de idade, sai do município de Muaná, na Ilha do Marajó, e enfrenta em média oito horas de viagem de barco para levar a filha Maria Vitória da Silva, de 7 anos, para as sessões de terapia na Unidade de Referência Especializada em Reabilitação Infantil (URE-REI) e Abrigo Especial Calabriano. São duas instituições que funcionam no mesmo espaço, localizado no bairro do Telégrafo, em Belém, e atendem crianças com deficiências neurológicas. É o caso da menina Maria Vitória, dona de um sorriso doce, que tem paralisia cerebral e faz tratamento na unidade há seis anos.
A unidade atende 280 crianças por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), oferece 13 tipos de terapia e contabiliza entre sete e oito mil atendimentos por mês. O Abrigo Especial tem 41 acolhidos, sendo 19 adultos, que foram encaminhadas pelo Juizado da Infância e da Juventude e Conselhos Tutelares por estarem em situação de abandono ou de vulnerabilidade social. O trabalho é realizado há dez anos, através de convênios renovados anualmente com a Secretaria de Estado de Saúde (Sespa) e a Secretaria de Estado de Assistência Social, Trabalho, Emprego e Renda (Seaster).
Uma equipe formada por cerca de 30 profissionais se desdobra para manter a qualidade do serviço oferecido, mas algumas dificuldades no último ano forçaram mudanças no atendimento. Por causa do alto custo com energia elétrica, a hidroterapia, realizada na piscina aquecida e coberta, precisou ser interrompida durante várias semanas. Em alguns casos, o tempo de serviço também foi reduzido para conseguir abrir vagas para novas crianças mantendo o mesmo quadro de funcionários. Pacientes que antes frequentavam a URE-REI duas vezes por semana e passavam 45 minutos por terapia, agora vão uma vez por semana e as sessões duram meia hora.
“A minha filha tem todo o atendimento que precisa aqui, uma assistência que não temos em Muaná. O desenvolvimento dela tem sido muito bom. Já engatinha, sobe no sofá, na cama, na rede. É bem ativa e muito inteligente. Conhecemos outras crianças que tiveram o mesmo diagnóstico que ela, mas não tiveram condições de continuar o tratamento e hoje em dia ainda não conseguem levantar a cabeça ou sentar”, conta Cipriano. Pela distância e dificuldade de deslocamento, Maria Vitória não consegue viajar para a capital mais de uma vez por semana e acaba faltando às terapias em algumas épocas do ano.
O pai explica que fica complicado fazer o trajeto nos períodos de seguro-defeso e durante o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, pois os barcos saem com a lotação esgotada de passageiros. “É muito desconfortável e ela fica agitada, então a gente também aprendeu a fazer os exercícios em casa, na nossa piscina. Ela estuda em uma escola regular, está na segunda série, gosta de cantar e é o xodó dos irmãos. Tenho fé em Deus que um dia ela vai conseguir andar”, completa.
A dona de casa Maria Maciléia da Silva, de 40 anos, lembra que o filho Rudson da Silva, de 8 anos, só conseguiu andar depois dos quatro anos de idade. Ele também tem paralisia cerebral e o acompanhamento multiprofissional que recebe na URE-REI há dois anos é fundamental para que dê passos cada vez mais seguros. O garoto foi atendido em outras unidades durante seis anos, mas a dificuldade de suporte especializado fez com que o tratamento fosse interrompido por quase um ano. Ela é mãe de outros dois filhos, a família mora à avenida Augusto Montenegro, em Belém, e Rudson tem atividades quase todos os dias da semana, além da escola.
“Há cerca de três meses, o atendimento dele também foi reduzido um pouco na URE-REI, mas ainda trago duas vezes por semana porque não tinha horário para ele fazer tudo só num dia. Para complementar, ele faz natação na UTEES (Unidade Técnica de Ensino Especial), em Icoaraci. Lá também faz o letramento, para ajudar no desempenho escolar”, afirma. Rudson não utiliza cadeira de rodas ou muletas por recomendação médica. Com um sorriso largo no rosto, ele sai da sala de terapia ocupacional andando sozinho em direção à mãe e recebe muitos elogios da terapeuta.
Fã de games, a tecnologia também o ajuda a ler melhor e desenvolver a coordenação motora. “Gosto muito daqui, gosto de ficar na piscina e das sessões de fonoaudiologia. Quando estou em casa, jogo videogame e uso o computador, também tenho joguinhos no celular. Minecraft e The Sims são os meus preferidos”, revela. Ele diz, ainda, que gosta de estudar Matemática e Português e até ajuda os colegas que ficam com dúvidas. Para a mãe, a manutenção da qualidade de atendimento no local é essencial para o progresso do tratamento das crianças.
“Essa unidade de referência sempre teve um diferencial que foi o bom serviço e a frequência de duas vezes por semana. Acho que a tendência deveria ser ampliar e não reduzir essa oferta”, reforça a comerciária Miriam Cecim Pereira, de 39 anos, mãe de Samuel Estevão, de 8 anos, que usa cadeira de rodas e é um menino comunicativo. Ela e o filho, que tem paralisia cerebral, frequentam a URE-REI há quase sete anos e chegaram a ser atendidos em outras unidades. “A vantagem daqui sempre foi a continuidade. Isso impacta o desenvolvimento dos pacientes, com certeza. Em outros lugares, são atendimentos de meia hora, às vezes com intervalo de 15 dias”, relata ela, que assim como outras mães e pais, torcem pela melhoria das condições do espaço.
Abrigo promove 19 adoções de crianças com necessidades especiais
No ano passado, foram registradas 143 adoções de crianças e adolescentes com alguma deficiência ou doença no Brasil. Em 2013, foram apenas 96 adoções. Os dados são da Corregedoria Nacional de Justiça. Desses 143 meninos e meninas adotados, estão 15 com deficiência física e 15 com deficiência mental. No Abrigo Especial Calabriano, em uma década foram concretizadas 19 adoções. O número é positivo, segundo a diretora Soraia Guimarães. O abrigo é o único do Estado que atende esse público, respeitando suas limitações e promovendo a recuperação e manutenção dos vínculos afetivos com a família biológica ou substituta, bem como buscando encaminhamento aos procedimentos necessários em caso de adoção.
“O governo do Estado é um grande parceiro nosso e esperamos nos reunir e conversar para renovar os convênios o mais breve possível, pois assegurar o desenvolvimento dos pacientes e acolhidos é a nossa prioridade”, enfatiza Soraia. Mesmo com a redução do repasse nas últimas renovações dos convênios, ela destaca que a unidade é referência nacional pelo modelo que adota, além de ser referência no Pará na assistência a crianças com microcefalia, autismo e paralisia cerebral. “Temos uma rede de voluntários e empresas parceiras que nos ajudam doando produtos, tempo e carinho, a exemplo do programa de apadrinhamento afetivo do Tribunal de Justiça do Estado”, acrescenta.
De acordo com a psicóloga Brenda Castro, ainda que o abrigo garanta atendimento médico, que tenha acolhidos estudando em escolas regulares e especializadas, e que tenha parcerias para a realização de cursos profissionalizantes como panificação e confeitaria, algumas pessoas não conseguem ser adotadas ou reinseridas no convívio familiar e nem conquistam autonomia. “Tem acolhidos traqueostomizados, que necessitam de fisioterapia respiratória e de atenção constante. Mesmo assim temos adoções. O que a gente percebe é que o quadro de saúde fica em segundo plano quando as famílias conhecem as crianças, eles percebem que isso não justifica não adotar”, pontua.
A área do abrigo e da URE-REI é de 1.100 metros quadrados, com instalações amplas, modernas e acessíveis que incluem piscina, dormitórios, jardins, berçário e salas separadas para cada atividade. Fica localizado à avenida Senador Lemos, 1.431, no bairro do Telégrafo, e o funcionamento é de segunda-feira a sexta-feira, das 7 às 18 horas, e todo sábado pela manhã, quando é a vez dos acolhidos realizarem as terapias e quando as portas são abertas para os voluntários visitarem e interagirem com eles. O telefone para contato é 3244-5714. Na próxima quinta-feira, serão comemorados os 10 anos de funcionamento da unidade. Uma missa será celebrada na paróquia São Raimundo Nonato, à avenida Senador Lemos, às 9 horas.
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