BRENDA PANTOJA
Da Redação
O ritmo de vida é diferente na Unidade Nossa Senhora de Nazaré da Fazenda da Esperança, localizada em Mosqueiro, na Região Metropolitana de Belém (RMB). Cercado de vegetação, o espaço abriga homens que buscam tratamento para se livrar do álcool e das drogas. Trabalho não falta na Fazenda, que funciona há um ano e meio e tem 14 acolhidos e quatro voluntários. Aos afazeres, somam-se a espiritualidade e a convivência. Estes três elementos são os pilares do projeto Fazenda da Esperança, vinculado à Igreja Católica e com polos espalhados pelo Brasil e pelo mundo.
O modelo é pensado para ser autossustentável e a unidade de Mosqueiro está caminhando para alcançar esse equilíbrio. No começo do mês que vem, será iniciado o cultivo de alface hidropônica e a expectativa da produção é de seis mil pés por mês, que serão distribuídos para redes de supermercados da cidade. Além disso, os moradores fazem biscoitos, óleos naturais, camisas e outros itens para serem vendidos pelas famílias, que não pagam mensalidade. A renda da comercialização é revertida para o projeto. Eles consomem também aquilo que é produzido dentro da área de 84 hectares, através da horta e da criação de animais.
A Fazenda está em constante progresso. Três casas, cada uma com capacidade para 14 acolhidos, foram construídas e a quarta está em obras. Ainda serão erguidos dois galpões, cuja estrutura completa foi doada, onde ficarão refeitórios, cozinha industrial e espaço para oficinas de marcenaria e trabalhos manuais. O Pará tem outras cinco Fazendas, implantadas em Bragança, Abaetetuba, Óbidos, Tucumã e Redenção. O objetivo é chegar a ter capacidade para atender 90 pessoas, de acordo com o diácono Leandro Guerra, vice-presidente da unidade.
Ele explica que o arcebispo metropolitano de Belém, dom Alberto Taveira, presidente da Fazenda Nossa Senhora de Nazaré, foi quem convidou a iniciativa para se instalar em Belém. A Igreja tem papel fundamental na mobilização da sociedade civil na colaboração com as obras sociais e na conscientização de que os vícios são um grave problema social, pontua o diácono. Com o intuito de cooperar nessa articulação, foi criado o Grupo Amigas da Esperança, que reúne mais de 20 mulheres e profissionais de diversos setores para serem voluntários e contribuírem com ajuda financeira ou doando seu tempo.
A próxima ação será a Tarde Alegre, evento programado para ocorrer duas vezes ao ano e que reúne centenas de convidados em prol do fortalecimento da Fazenda. A ação será no dia 23, às 16h30, na Casa de Plácido, em Belém. Serão sorteados vários prêmios e compartilhados relatos de alguns acolhidos.
Voluntários se dedicam ao trabalho de tornar real o sonho da libertação
Na unidade, vivem voluntários que já passaram pela comunidade em outros estados e decidiram se dedicar integralmente ao trabalho de cuidar daqueles que buscam abandonar a dependência química. São pessoas como João Pedro Santos do Carmo, de 39 anos, e Júlio Silva, de 30, que têm um papel muito importante no acompanhamento dos acolhidos, pois já passaram pelo período mínimo de um ano de tratamento.
Após duas internações na comunidade terapêutica, em 2009 e outra em 2012, João Pedro escolheu deixar família e emprego em Manaus e trabalhar integralmente na Fazenda, até que veio o convite para apoiar a implantação da unidade de Mosqueiro, da qual hoje é coordenador. “Estou fazendo o que um dia outras pessoas fizeram por mim. Como não trabalhamos com remédios, é fundamental que as pessoas cheguem com força de vontade para mudar e aceitar tudo que é plantado no coração: humildade, esforço, respeito e relacionamento com Deus”, comentou.
O chamado social de se envolver na obra não foi ignorado por Júlio, natural de Pernambuco. No entanto, diferente de muitos voluntários, que precisam viver longe da família para cumprir a missão, ele está trabalhando na Unidade Nossa Senhora de Nazaré acompanhado da esposa e dois filhos. Segundo ele, foi na Fazenda da Esperança de Garanhuns, em 2010, que ele conseguiu se libertar das drogas, que consumia desde os 14 anos. “O vício me tirou tudo o que eu tinha conquistado, mas consegui me recuperar depois de um ano dentro da Fazenda e dois anos em contato com os grupos de apoio Esperança Viva”, relatou.
A filosofia agradou Mislaine Silva, de 27 anos, que passou a ter mais contato com um estilo de vida mais simples, voltado para o trabalho, a partilha e a espiritualidade. Por causa dessa identificação, ela não hesitou em acompanhar Júlio quando a família foi chamada para trabalhar em uma unidade no Acre, dois anos antes de virem para a capital paraense. “Viver a vida interna na Fazenda, ainda mais como voluntários, é estar com o coração aberto para o novo, querer recomeçar. O que me atraiu foi esse jeito de levar a vida, de resolver nossos conflitos pessoais e de se relacionar com os outros. Aqui me sinto um pouco mãe dos meninos que acolhemos também”, afirmou.
O casal está na unidade há quatro meses e tem um filho de 8 anos e uma filha de 1 ano e 8 meses, que estudam em uma escola próxima. Ela está fazendo um curso superior à distância de Serviço Social e Júlio está coordenando o projeto de cultura de alface, entre outras atividades diárias. “É um novo estilo de conduzir a família, mas a experiência da Fazenda nos ajuda a lidar melhor com os problemas, além de influenciar positivamente na criação dos filhos. Está sendo muito proveitoso. Com os acolhidos, estamos tentando criar laços de família e mostrar a eles um novo caminho, porque a Fazenda é isso”, ressaltou Júlio.
Rotina diferenciada muda visão de mundo e enche acolhidos de otimismo
Por quase 30 anos, Jocildo Pessoa, de 47 anos, manteve o hábito de consumir álcool e drogas. O vício levou ao fundo do poço, mesmo tendo construído carreira como marítimo e guia turístico em Manaus. O medo de perder o amor das filhas e a vontade de mudar foram as principais motivações para aceitar ir para a Fazenda no ano passado. “Cheguei a dormir em um papelão, em um carro velho na rua, empurrava carrinho de mão pra ganhar pouco dinheiro e gastar tudo em bebidas. Até a minha inscrição na Fazenda eu fiz enquanto estava bêbado”, recordou, feliz de poder dizer que esses episódios fazem parte do passado.
Jocildo concluiu o primeiro ano de tratamento, mas optou por passar mais alguns meses no sistema, dessa vez como voluntário em Belém. “Foi um lugar que me proporcionou descobrir o amor ao próximo de verdade. A Fazenda nos dá oportunidades, basta querer. Quando estava no acolhimento, aprendi a mexer com sonoplastia, a plantar e colher urucum, fiquei responsável por uma equipe de padeiros... Fiz várias coisas que pensei que não era capaz de realizar, exercitei o trabalho em equipe e a convivência, que é o mais difícil. Hoje em dia, a minha mente é muito mais aberta”, acrescentou.
Além dos horários de trabalho durante a manhã e à tarde, os moradores da Fazenda da Esperança desfrutam de reuniões de leitura e discussão da Palavra, grupos de apoio e atividades de lazer, mas não têm acesso a televisão e celular. Essa rotina tem plantado otimismo no coração de Ronaldo Teixeira, de 53 anos, que está há dois meses na unidade. Ele experimentou cocaína pela primeira vez aos 22 anos e desde então teve dificuldades para largar as drogas. “Já passei por outras instituições, mas a Fazenda tem a melhor proposta de caminhada que já vi. Estou indo muito bem e estou esperançoso de que terei uma mudança concreta”, contou.
Para garantir a reinserção dos acolhidos no mercado de trabalho, são realizados cursos através de parcerias, como o de horticultura com a Federação da Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa) e de operação de trator com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar). Outros apoiadores da Fazenda são o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), Ministério Público do Trabalho (MPT), Banco da Amazônia, Prefeitura de Belém, Secretaria de Estado de Assistência Social, Trabalho, Emprego e Renda (Seaster), Polícia Civil e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), com doação de madeira.
“É muito relevante a conscientização da sociedade como um todo, uma vez que a Fazenda traz um impacto muito grande que envolve núcleos familiares e comunidades. Precisamos muito do apoio de empresários e profissionais, doando materiais de construção e com atuação voluntária. Depois dessa parte intensa de construção das casas, vamos focar em aumentar o time de voluntários”, diz Naiá Guerra, que integra o Grupo Amigas da Esperança.
A Fazenda da Esperança calcula que o índice de recuperação entre os acolhidos que completam o tratamento, no Brasil, gira entre 60% e 80%. Os fundadores Frei Hans Stapel e Nelson Giovanelli iniciaram o trabalho há 30 anos na cidade de Guaratinguetá (SP). Hoje já são 104 unidades em 16 países.
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