quinta-feira, 16 de março de 2017

Comunidades estimulam a leitura

*Publicado na página de Responsabilidade Social, no jornal O LIBERAL de 07/04/2016

BRENDA PANTOJA
Da Redação


                    Uma sala ampla com estantes cheias de livros, que estão sempre levemente desarrumados, e o burburinho de vozes infantis em uma roda de leitura. Assim é uma biblioteca viva. “Você nunca vai chegar aqui e ver tudo impecável. É muito grande o fluxo de crianças, adolescentes e leitores de todas as idades. Queremos mesmo ver esse lugar sempre movimentado”, comenta Minéia Silva, 35, mediadora de leitura do Espaço Cultural Nossa Biblioteca (ECNB), localizado no bairro do Guamá. A instituição, que tem 38 anos de existência, atua para formar leitores e promover a cultura na cidade. Junto com outras bibliotecas comunitárias e entidades, eles estão engajados na construção do Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca de Belém (PMLLLB).
Realidade em muitas cidades, o plano ainda não foi elaborado na capital paraense e será uma ferramenta relevante para a democratização do acesso ao livro e para fomentar o hábito da leitura. A partir daí, se abre o caminho para outras transformações sociais, acredita Raimundo de Oliveira, professor de História e coordenador do ECNB. “Queremos construir essa política pública para garantir que o governo tenha mais verba destinada à causa. Podemos tornar a leitura em uma cultura da região e fazer com que o amazônida seja reconhecido como um povo leitor. O que não dá é para esperar só pelo governo. Com o plano, a ideia não jogar a responsabilidade para o Estado, queremos somar com eles e a sociedade civil”, diz.
O Polo de Leitura Resistência Guamazônica, rede que congrega instituições em prol do livro e da leitura, realizará um seminário no segundo semestre para discutir os eixos do PMLLB. Antes do evento, será elaborada uma carta de compromisso para ser assinada pelos candidatos ao cargo de prefeito de Belém. Baseado nos planos implantados em outros municípios, Raimundo cita algumas das propostas que serão debatidas: formação de mediadores, investimento em propaganda de leitura, aumentar o acervo de livros, ter pelo menos uma biblioteca em cada bairro com mais de 20 mil habitantes, entre outras propostas.
“Através da leitura, o aluno melhora o desempenho na escola. A literatura é um dos alicerces necessários para mudarmos a condição de vida das pessoas. Vivemos em uma região explorada, em que a população luta contra a pobreza e o subdesenvolvimento. O livro é um instrumento de empoderamento e precisa passar a ser um hábito alimentado no seio das famílias, não visto apenas como um instrumental para a escola”, argumenta. Segundo Raimundo, aprovar o Plano vai ser importante para pressionar o governo a trabalhar no processo de mudança de uma cultura de não-leitura para uma de leitores.

RECURSOS 
Atualmente, a maior parte dos recursos do Espaço vem de financiamentos a partir de projetos, mas que não se estendem por muito tempo. O apoio de voluntários comprometidos com a educação é fundamental. Minéia faz parte desse time há 16 anos e vê o impacto que a biblioteca provoca na comunidade. Em torno de dois mil livros são emprestados por mês, mas a circulação de pessoas é maior, em função das atividades de dança, violão, inglês, teatro, oficinas de literaturas e rodas de conversa. “As crianças que acompanhamos nas mediações de leitura tem melhora no rendimento escolar. Muitas vezes, a dificuldade em algumas matérias se dá pela dificuldade de interpretar uma questão ou de um vocabulário pobre. Em longo prazo, muitos pais dizem que os filhos ficam mais comunicativos e seguros”, observa.
Outro fenômeno observado por ela é a disseminação do hábito da leitura a partir dos filhos. “Os pais começam a ler em casa com os filhos, passam a se interessar mais e quando os trazem para alguma atividade, ficam lendo enquanto esperam. Tanto é que vamos criar o grupo de pais leitores nesse ano, para discutir temas diversos por meio das leituras”, afirma. Cidadania, identidade sociocultural e até agricultura urbana são temas abordados em rodas de leitura do ECNB. Minéia ressalta que uma das metas para esse ano é conseguir mais colaboradores. As contribuições de pessoas físicas ainda são poucas. “Além da ajuda financeira, sempre precisamos de pessoas para ajudar com a organização e com as atividades. Quanto mais pessoas envolvidas, melhor”, completa.

Projeto Educar chega a mais de 130 crianças em três bairros da capital

Em 2005, a auditoria fiscal Irinéa Simões, 70, trouxe duas garotas do município de Santa Maria do Pará para estudar em Belém. Aos 10 e 8 anos, elas eram analfabetas, mas em um ano de aulas particulares, as crianças já estavam lendo. Vendo o esforço das meninas e a mudança na realidade delas, que começaram a frequentar a escola, Irinéa resolveu montar um projeto voltado para a alfabetização e o reforço na leitura e escrita dos alunos. Em 2008, ela fundou o projeto Educar, uma iniciativa independente que já atende 136 crianças nos bairros de Canudos, Tapanã e em Marituba.
Ela conta com quatro professoras, que trabalham no projeto com carteira assinada, e uma rede de, no máximo, dez colaboradores. Em sete anos de projeto, estima que tenham sido atendidas 800 crianças, entre 6 e 13 anos. As aulas são de leitura e escrita, matemática, comportamento e religiosidade. “É fato que muitos alunos vão passando de série com muita dificuldade para ler e para saber interpretar, ter consciência crítica. Em algumas famílias, a educação é negligenciada, como se fosse responsabilidade apenas do colégio. Esse problema na leitura em muitas crianças aqui mesmo na cidade foi o que me motivou a tomar uma atitude, fazer algo para ajudar”, diz.
Simone Oliveira, 46, é professora de uma das turmas que frequentam o reforço diariamente na Paróquia São José de Queluz, em Canudos. Para ela, o trabalho é gratificante pela influência direta na vida dos meninos e meninas. “Já trabalhamos até com crianças do quinto ano que não sabiam ler. Aqui, com uma atenção mais próxima, eles se desenvolvem bem melhor. Os pais precisam incentivar a leitura sempre”, orienta. Muito querida pelos alunos e pais, ela conversa com professoras das escolas próximas para saber sobre o conteúdo programático.
Ana Cláudia Viana é mãe de Raphael Nikolas, 6, que estuda em escola particular e entrou para o reforço escolar no ano passado. A mudança é visível e tem agradado muito a família. “Antes ele era muito ligado na televisão e isso diminuiu. Ele melhorou a caligrafia, ortografia, o ritmo da leitura e até o interesse pelas tarefas da escola no geral. Está até um pouco mais adiantado que o resto da turma dele”, afirma. Os pais pagam um valor simbólico de R$ 10 por semestre. De acordo com Irinéa, antes de cobrar ações do governo, o cidadão precisa pensar em de que forma ele está contribuindo para resolver o problema. “Muitas crianças só precisam de um empurrão para se desenvolverem melhor e eu acredito que o melhor presente que você pode dar para alguém é a cultura”, diz.

CONSCIENTIZAÇÃO
Doações de pessoas que, como os vaga-lumes, vão ajudar a iluminar cantos distantes da Amazônia. É nisso que aposta a Vaga Lume, uma iniciativa que implanta bibliotecas comunitárias em localidades rurais e ribeirinhos da região. O projeto existe há 15 anos e abriu 159 bibliotecas em 23 municípios. Neste ano, a organização não governamental (ONG) paulista investiu em uma campanha para mobilizar doadores avulsos, em vez de contar apenas com empresas parceiras e financiamentos de projetos. Para alcançar esse outro público, a entidade criou um esquema de contribuições mensais no valor mínimo de R$ 30, basicamente o preço de um livro, que podem ser feitas através do site www. doe.vagalume.org.br.
A coordenadora de Desenvolvimento Institucional da Vaga Lume, Marina de Castro Rodrigues, reforça que a estratégia é conscientizar as pessoas sobre a importância de garantir o acesso ao livro para as populações mais isoladas da Amazônia. A ideia também é escolher doadores que possam se tornar “embaixadores” e assumam o compromisso de divulgar a causa para outros amigos. Marina incentiva, ainda, as doações por meio da Lei Rouanet que podem ser feitas por pessoas jurídicas e físicas até 30 de dezembro. “Muita gente não sabe desse recurso ou tem receio, mas é possível investir um valor equivalente a até 6% do IRPF, por meio de um depósito para nós, e esse montante é ressarcido no ano fiscal seguinte”, acrescenta.
O Instituto Ayrton Senna lançou, recentemente, a campanha de mobilização “Doe Educação”. O objetivo é incentivar a sociedade a se engajar por uma educação pública de qualidade. A campanha conta com um selo que demonstra o ato de “levantar a bandeira”, em alusão ao gesto histórico eternizado por Senna como símbolo de vitória e superação. A partir de R$ 10 por mês, é possível contribuir com a alfabetização de uma criança ao longo de um ano e a pessoa recebe um adesivo para demonstrar seu apoio.
Com R$ 30, contribui com a alfabetização de três crianças e recebe um chaveiro; e com R$ 50, o doador recebe uma camiseta e contribui mensalmente para que cinco crianças sejam alfabetizadas. “A educação é uma causa essencial para acelerarmos o desenvolvimento do Brasil e temos a certeza de que mais uma vez a sociedade está ao nosso lado. A campanha mostra de forma clara e objetiva a transformação que o ensino de qualidade faz na vida das pessoas. Por isso, quem é socialmente responsável e quer um país melhor e mais justo certamente não vai deixar de se engajar”, destaca Marco Crespo, diretor de Negócios do Instituto.
A campanha vai até maio. O Instituto Ayrton Senna trabalha há mais de 20 anos na melhoria da educação pública do Brasil. São pesquisas e produção de novos conhecimentos em pedagogia, gestão educacional e avaliação de impacto que servem para elaborar soluções educacionais inovadoras. 

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