terça-feira, 21 de março de 2017

Boas práticas combatem trabalho infantil

*Publicado na página de Responsabilidade Social, no jornal O LIBERAL de 14/04/2016


BRENDA PANTOJA
Da Redação


Ver crianças vendendo bombom na rua e adolescentes limpando para-brisas no sinal de trânsito é mais uma cena comum para grande parte da população. No entanto, o trabalho infantil é um grave problema no Pará, que tem 223.338 meninos e meninas em situação de exploração, de acordo com os dados de 2014 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Estado é o quinto no ranking nacional com a maior ocorrência de menores de 18 anos trabalhando ilegalmente. Diversos órgãos públicos, organizações não-governamentais e instituições têm se mobilizado para discutir o tema, mas como engajar a sociedade civil e possibilitar que cada cidadão possa contribuir de forma efetiva para combater essa prática?
O projeto “Acadêmico Padrinho-Cidadão” foi criado com esse objetivo pela Comissão de Erradicação do Trabalho Infantil do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (TRT8). Lançado há duas semanas, já conta com mais de 100 voluntários interessados e 55 afilhados confirmados. A iniciativa consiste em estimular os universitários a atenderem estudantes de escolas públicas entre 7 e 18 anos incompletos com vários tipos de atividades: aulas de reforço escolar, musicalização, brincadeiras, rodas de leitura e outras expressões de solidariedade.
A ideia é ocupar os horários ociosos dos alunos, impedindo que sejam vítimas do trabalho infantil. A comissão também estipulou 2016 como o “Ano da Aprendizagem”, com ações baseadas na lei 10.097/2000, que garante uma formação técnico-profissional para jovens de 14 a 24 anos, segundo a juíza Maria Zuíla Lima Dutra, titular da 5ª Vara do Trabalho de Belém e Gestora Nacional e Regional do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. “No nosso caso, o público alcançado através do Programa da Aprendizagem é apenas de 14 a 18 anos incompletos, por meio de parcerias para oferta de cursos e vagas de trabalho, conscientizando também os empregadores”, explica.
O “Acadêmico Padrinho-Cidadão” veio para ampliar a atuação no âmbito da aprendizagem e fortalecer o crescimento pessoal e educacional dos voluntários e dos afilhados. Um dos padrinhos é o acadêmico de Direito Bruno Cézar Tavares, 31, que se comprometeu a auxiliar quatro jovens entre 14 e 17 anos. Ele decidiu estimular os afilhados a realizarem cursos de capacitação profissional em instituições parceiras da comissão e vai orientá-los sobre a inserção no mercado de trabalho como aprendiz. Para ele, a experiência está sendo engrandecedora. 
“Como estudante do Direito, acredito que preciso estar voltado para os problemas sociais da minha região. Encontrei uma forma de fazer isso com o programa, dando suporte a esses jovens. Incentivo, digo para não desistirem de buscar novas perspectivas. Todo dia dedico um tempo para conversar com eles e nos reunimos de vez em quando”, conta. Em um diálogo constante e produtivo, ele tira dúvidas sobre os cursos, orienta sobre o desempenho escolar e sugere leituras para os dois rapazes e duas moças que acompanha nos bairros do Coqueiro e Aurá, em Ananindeua. A estudante Natália Palheta, 14, está no 9º ano e é a afilhada mais recente.
Ela vê no projeto uma chance de garantir um futuro melhor. “Estou interessada em fazer cursos na área de relacionamento com o público e acho que chances como essa são muito boas, precisamos aproveitar. É melhor do que estar em casa sem nada para fazer e vai acrescentar para o meu desenvolvimento”, comenta. O trabalho infantil é Projeto ocupa tempo em que o aluno está fora da escola com atividades uma questão presente ao redor de Natália, que conhece a história de uma família onde a dificuldade financeira obrigou o filho mais velho a largar a escola para trabalhar como ambulante. Bruno ressalta que o projeto gera consciência cidadã entre os acadêmicos, colaborando para que se formem profissionais com mais responsabilidade social. 

MUSICALIZAÇÃO
O padrinho-acadêmico Tayrony Santana, 18, concorda e está empolgado com a iniciativa, que veio para reforçar o trabalho de musicalização que ele faz com os jovens do bairro do Curió-Utinga. Ele cursa o terceiro semestre de Direito e está atendendo nove afilhados, que frequentam a casa dele aos sábados para aprender a tocar violão. Os alunos tem entre 11 e 17 anos.
“Ensinar esses jovens faz com que eles passem menos tempo na rua, que tenham influências positivas, que tenham uma atividade de lazer aprendendo a tocar um instrumento, deixando-os menos vulneráveis ao trabalho infantil”, observa. Ele está feliz de ver o empenho dos afilhados, que são pontuais e praticam os exercícios em casa, evoluindo bem no aprendizado. “Imagina se cada universitário apadrinhasse uma criança ou adolescente. Seria mais fácil vencer esse problema”, completa.
Jonas Cardoso Silva, 14, é um dos afilhados que está aprendendo violão. O garoto já pensa nas outras possibilidades do projeto. “Estou gostando muito das aulas porque ocupam o nosso tempo. Antes, nesse horário, ficava em casa sem fazer nada e agora criei uma nova responsabilidade, a de estudar música. Estavam comentando de vir um outro padrinho para ajudar a gente e ensinar inglês, espero que dê certo”, afirma. Adolescentes e jovens que abandonam o colégio para vender água, lanche ou trabalhar em oficinas mecânicas são realidade no bairro, dizem Jonas e o colega Eldio Rodrigues.
Eldio tem 17 anos e está no 3º ano do ensino médio, preparando-se para ingressar no curso de Ciências da Computação. Ele percebe que a falta de oportunidades e a pressão do trabalho na infância levam muitos meninos e meninas para caminhos errados. “Um bairro que não tem espaço de lazer e atividades culturais também é ruim. Todo jovem gosta de sair, passear, socializar... não quer ficar parado. Juntando isso com a pobreza de muitas famílias, eles começam a trabalhar cedo e alguns acabam se envolvendo com drogas e criminalidade”, analisa. Tocar violão sempre foi uma vontade do rapaz, que está satisfeito por receber aulas de graça. “É muito legal, da parte de todos os padrinhos, abraçar um projeto como esse. A gente vê que o trabalho infantil é algo que todo mundo conhece, muitos se interessam, mas a maioria das pessoas se acomoda. Esses padrinhos fizeram diferente”, acrescenta.

Projeto ocupa tempo em que o aluno está fora da escola com atividades

A juíza titular da 2ª Vara Trabalhista de Belém Vanilza Malcher, que também integra a Comissão de Erradicação do Trabalho Infantil do TRT8, destaca os próximos passos da mobilização. “Teremos a Semana da Aprendizagem, entre os dias 2 e 6 de maio, quando serão realizadas programações focadas nesse eixo. Serão seminários com alunos de escolas públicas, com universitários, terá uma audiência pública no Ministério Público do Trabalho, entre outros eventos”, adianta. A intenção é chamar a atenção para o tema e mobilizar todos que possam contribuir.
O TRT8 vai divulgar no dia 12 de junho, celebrado como o Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil, uma pesquisa feita pela comissão nos últimos dois anos, mostrando os focos de trabalho infantil no Pará. Foram entrevistadas 234 mil crianças e adolescentes em 30 municípios e o levantamento comprovou que, na capital, o maior índice é de serviço doméstico e de ambulantes. “De todos os trabalhadores infantis da Região Norte, 55% estão no Pará. É alarmante. Ainda há o discurso de que colocar crianças e adolescentes para trabalhar é melhor do que deixar na rua ou do que estar roubando”, pontua a juíza Zuíla Dutra.
Contudo, ela argumenta que o trabalho infantil é um ato ilícito, tal como o roubo. “Não podemos combater um ilícito com outro. Ambos trazem consequências perversas para a infância e, por consequência, para a sociedade”, defende. Vanilza frisa que a prática está diretamente ligada ao alto índice de violência na região, uma vez que expõe a criança a sérios riscos e à ação de exploradores. Ainda de acordo com ela, o artigo 227 da Constituição Federal deixa claro que a responsabilidade pela proteção da infância e adolescência é dividida entre a família, o estado e a sociedade.
“O ideal seria a escola em tempo integral, mas não é a nossa realidade. Por isso pensamos nesse projeto como um caminho para ocupar o tempo que o aluno está fora da escola, com atividade lúdica, esportiva, educacional, e com pequenos cursos que possam ajudá-lo em sua formação profissional”, salienta. As juízas informam que as inscrições para padrinhos seguem abertas e que está sendo montado um banco de dados para acompanhar melhor as atividades.
“Pode ser um padrinho isolado ou um grupo de amigos, que podem escolher um ou até 30 afilhados. Não é fechado apenas para acadêmicos, ainda que eles sejam o foco. Temos servidores e empresários querendo participar. O importante é ajudar. O problema é imenso e precisamos de mais braços”, declara Vanilza. Um exemplo é o escritor Edgar Macedo, 57, funcionário público, que decidiu apadrinhar uma escola inteira. A proposta dele é levar cultura aos estudantes, com saraus e rodas de leitura. Ele, que é poeta, vai se reunir com outros amigos para preparar atividades lúdicas para as turmas. 
Durante uma das reuniões do projeto, ele adotou a escola estadual Marilda Nunes, no bairro do Benguí, que ensina do 6º ao 9º ano. A diretora da unidade, Ivanete Figueiredo, que compareceu ao encontro para conhecer a iniciativa, ficou muito contente de sair de lá com um padrinho para os alunos. “Estimular o interesse pela leitura alimenta a consciência crítica. Com a poesia e a literatura, elas poderão brincar com a realidade, ter outros meios de se defender dos riscos que se apresentam na infância e adolescência. A formação cultural é essencial e faz parte da construção de um cidadão”, acredita.
A comissão é ligada ao Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem, do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT). O projeto “Acadêmico Padrinho-Cidadão” foi lançado em Belém, mas poderá ser executado em todo o Pará e Amapá, área de abrangência do TRT8. No Pará, tem como parceiros: Faculdade Maurício de Nassau, Uepa, Unama, Proativa do Pará, CIEE, Sebrae, Associação Comercial do Pará, Federação das Associações Comerciais do Pará/Faciapa, Seduc, Secretarias Municipais de Educação de Municípios Parceiros do TRT8, pedagogos e professores em geral. Mais informações podem ser obtidas com a Escola Judicial do TRT, pelos telefones 4008-7278 / 7280.


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