*Publicado na página de Responsabilidade Social, no jornal O LIBERAL de 12/05/2016
BRENDA PANTOJA
Da Redação
Teatro, música, dança, religiosidade popular e respeito à natureza. Todos esses elementos estão presentes nos cordões de pássaros juninos, uma manifestação cultural genuinamente paraense. Nas festas de São João, os cortejos ganham as ruas formados por personagens típicos da sociedade regional, como o índio, o caboclo, o ribeirinho e outros.
Na sede do Cordão de Pássaro Colibri de Outeiro, os preparativos para montar o espetáculo já começaram e ocupam a mente e o coração dos brincantes. O trabalho com o cordão no distrito ganhou tamanha dimensão que motivou a criação de outros projetos voltados para a preservação e o fomento da cultura regional.
Hoje, o cordão tem 40 brincantes e faz parte da Associação Folclórica e Cultural Colibri de Outeiro, sendo sua principal atividade. “Batizado inicialmente de Beija-Flor, esse cordão foi fundado em Icoaraci por Teonila Ataíde em 1971. Depois de seu falecimento, viemos para Outeiro em 1999 e tivemos que mudar o nome porque na Associação Folclórica de Belém já existia um cadastro com o nome de Beija-Flor”, conta a guardiã do cordão, a socióloga Laurene Ataíde. A coordenadora da associação herdou da mãe a missão de manter viva a tradição.
Além disso, a associação abriga uma sala de cinema, um infocentro e muitos livros e realiza o projeto Point Colibri de Comunicação, que é financiado pelo Oi Futuro, instituto de responsabilidade social da operadora de telefonia Oi, através do Programa Oi Novos Brasis. Por todo esse trabalho, a entidade é considerada um Ponto de Cultura, título conquistado após convênio com os governos federal e estadual. O local é aberto à comunidade, sendo o único ponto de internet livre do bairro e promovendo exibição de filmes mensalmente. Segundo Laurene, foi em 2008 que o grupo decidiu ampliar a atuação. “Não havia como ignorar a carência da região, em vários aspectos. Reunimos com a comunidade para pensar em projetos, mas precisávamos de recursos e para isso era necessário oficializar, criar CNPJ e tudo”, recorda.
Ela deixa claro que o principal objetivo do Colibri de Outeiro é a preservação dos cordões e das manifestações culturais da ilha de Caratateua. A brincadeira do pássaro continua revoando e ganhando força, mesmo 45 anos após a criação, graças à paixão de Laurene pela cultura, interesse que passou de mãe para filha, como tradicionalmente ocorre nesses grupos. “Minha preocupação em resguardar essa expressão é por ela ter origem na nossa terra. Não existe registro de pássaros juninos em nenhum outro lugar, além de ser uma bela apresentação, que remete ao imaginário e ótimo canal para promover a cultura entre a população de baixa renda”, defende.
A narrativa da encenação gira em torno da caçada, morte e ressurreição de um pássaro, o personagem central. Outros personagens aparecem, como fazendeiros, índios, nobres, fadas, feiticeiras, príncipes e princesas. Depende da roupagem de cada grupo, que parte desse enredo básico para criar várias peças populares. Carolina da Silva, 19, vai interpretar a princesa e está há dois anos no Colibri de Outeiro. Ela garante que entrar na Associação mudou sua visão sobre muitas coisas, incluindo ela mesma.
“Antes, não fazia ideia do que eram os pássaros juninos. Conheci através de uma amiga na escola e me chamou a atenção a oportunidade de exercer o teatro. Tem sido uma experiência ótima. Me deu maior conhecimento sobre a cultura do Pará, me tornei mais sociável, mais responsável e aprendi a respeitar mais a opinião dos outros, trabalhar em equipe e, principalmente, me ajudou a lidar com a epilepsia”, avalia. O tempo ocioso que Carolina tinha quando chegava da aula passou a ser ocupado pelos ensaios e oficinas, o que a tornou uma jovem mais interessada em assuntos culturais.
A epilepsia trazia uma série de inseguranças para ela, que tinha dificuldade em fazer amigos e agora, após se integrar muito bem com os brincantes, está com a autoestima elevada e se prepara para um dos principais papeis no cordão. “Não enxergo mais a epilepsia como um problema. Aliás, aqui passei a refletir mais sobre inclusão, pois temos uma brincante especial [com deficiência intelectual]. Ser a princesa me dá vontade de fazer ainda melhor. Encaro o cordão como um trabalho mesmo”, completa.
PARA TODOS
A acessibilidade cultural é uma das metas de Laurene Ataíde, que concluiu um mestrado na área recentemente e está trabalhando na adaptação de peças do grupo por meio de audiodescrição e linguagem brasileira de sinais. Por meio de projetos aprovados em editais, o Colibri de Outeiro já realizou circuitos de apresentação em outros estados, como Ceará e Maranhão, além de muitas cidades do interior paraense. O impacto na vida dos jovens é visível, afirma a socióloga. “Estamos em uma área considerada vermelha. Estando conosco, eles não estão soltos, desfrutam de um lazer sadio, se educam, adquirem cultura. Alguns que nos acompanham nas viagens nunca tinham saído nem de Outeiro e puderam conhecer novas regiões. Isso expande os horizontes”, comenta.
Tayres Pacheco, 26, é brincante há seis anos, formada pela Escola de Teatro da Universidade Federal do Pará e interpreta a “Matuta”. Ela ministra oficinas de teatro nas escolas da comunidade e é engajada na divulgação dos pássaros juninos. “Nós criamos o nosso próprio tipo de teatro e isso tem uma relevância cultural enorme, mas quase ninguém conhece. É legal levar para as escolas, pois ensina as crianças a valorizar desde cedo. Além de enriquecer a bagagem cultural dos participantes, a Associação serve como um espaço para conversar com os adolescentes sobre vários temas que identificamos na ilha, como sexualidade, drogas e violência”, ressalta.
Documentação é essencial para divulgar a cultura regional no Estado
Segundo Laurene Ataíde, os cordões de pássaro estão em avançado processo de desaparecimento. Em menos de 20 anos, a capital paraense já viu dez grupos encerrarem as atividades. Um ponto crucial para preservar é documentar, registrar e divulgar a cultura local. É aí que entra o Point Colibri de Comunicação. O projeto foi pensado para capacitar em produção audiovisual os 40 integrantes do cordão, de todas as idades, mas com foco nos adolescentes e jovens. Em execução desde o ano passado, os participantes compraram equipamentos profissionais de filmagem e fotografia, promoveram oficinas de edição de vídeo e texto, e ainda organizaram eventos.
No mês passado, eles fizeram uma mostra audiovisual, onde apresentaram uma coletânea de vídeos criativos sobre as atividades culturais em que a população da ilha é protagonista. O Círio de Nossa Senhora de Conceição, os desfiles de carnaval e as festas juninas foram alguns dos temas dos vídeos e também serão apresentados em fotos na Mostra Fotográfica “Sob os Olhares do Colibri”, que será exposta entre os dias 25 e 28 deste mês, na sede da Associação. Os estudantes Rafael da Silva, 21, e Bruno Santos, 26, são alguns dos mais ativos na produção de conteúdo e descobriram a aptidão com fotografia e filmagem através do Point de Comunicação.
Rafael participa do cordão há oito anos e faz o papel do caçador, enquanto Bruno está há três anos no grupo e interpreta o príncipe. “Além das técnicas em foto e filmagem, a gente está sempre aprendendo sobre um tema diferente, em contato com outros grupos e essa troca é muito boa. Eu era pobre em cultura, aqui aprendo bastante”, diz Rafael. O trabalho de registrar a realidade da comunidade em que vivem provoca uma consciência social nos jovens, que também retratam problemas como erosão nas praias de Outeiro e a falta de estrutura. “Passei a me interessar muito mais por fotografia, atividade que pretendo manter. O teatro também me ajudou a perder a timidez”, complementa Bruno. Os jovens atendidos pelo projeto do Point também atualizam as redes sociais do Colibri.
INFORMAÇÃO
A coordenadora da área de Sustentabilidade do instituto Oi Futuro, Flávia Vianna, garante que o Point Colibri de Comunicação, aprovado no edital de 2014, ainda tem pelo menos seis meses de funcionamento pela frente. “A proposta do programa Oi Novos Brasis é desenvolver iniciativas socioambientais inovadoras que utilizem as tecnologias de comunicação e informação pra acelerar o processo de desenvolvimento local”, define.
Na visão dela, as ferramentas do audiovisual e da fotografia tem sido bem usadas pelo Colibri, a partir do momento em que fazem um resgate histórico e cultural de Outeiro, “além de enfatizarem questões que a própria população identifica como fragilidades do território, o que pode até fundamentar um diálogo com o poder público e a sociedade civil”, observa. Ainda não há previsão para o lançamento de uma nova seleção. Apostar em cultura em uma área como a ilha, que é carente de uma série de serviços, é um meio de promover sustentabilidade.
“Há discursos que colocam a cultura como um dos pilares da sustentabilidade, ao lado dos pilares econômico, ambiental e social. Isso faz sentido porque não dá para dissociar o individuo de sua cultura e todos esses fatores estão relacionados”, destaca. O próximo projeto da Associação é o I Festival de Pássaros e Outros Bichos de Belém, marcado para agosto. O evento recebeu uma verba de R$ 100.000 pelo programa CAIXA de apoio a Festivais de Teatro e Dança. A guardiã homenageada será Teonila Ataíde e duas de suas peças serão representadas pelo cordão Colibri: “Loucura de uma paixão” e “Os poderes de uma feiticeira”. Laurene adianta que os 17 grupos da capital paraense irão participar e que o público irá presenciar uma grande celebração da cultura local.
Serviço
- Site: http://colibriouteiro.6te.net/
- Página: http://www.facebook.com/PointColibri/
- Contato: 9 8861-6467 e 9 8278-4030 (Laurene Ataíde)
- Endereço: Rua Tito Franco, nº 183, bairro São João do Outeiro