BRENDA PANTOJA
Da Redação
Mais de 70 anos. Este é o prazo previsto para que seja superada a disparidade salarial entre homens e mulheres se o mercado de trabalho continuar no ritmo em que está, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT). A entidade divulgou nesta semana o relatório “Mulheres no Trabalho: Tendências 2016”, com dados de 178 países, mostrando que, em nível global, a diferença diminuiu apenas 0,6% entre 1995 e 2015. Os índices apresentados no documento comprovam a dura realidade das mulheres no cenário profissional, reforçando a importância de lutar pela equidade de gênero nas empresas e nas universidades.
Os dados analisados pela OIT apontaram que as mulheres representam menos de 40% do total de empregados, têm uma carga horária de trabalho maior do que os homens e ainda assim ganham menos em relação à mesma posição. Em média, as mulheres recebem um salário 23% menor do que é pago aos homens para desempenhar a mesma função. Para a OIT, fica claro que esta lacuna não pode ser explicada unicamente por diferenças na educação ou pela idade, mas sim está relacionada à desvalorização do trabalho realizado por elas, bem como à necessidade das mulheres fazerem pausas na carreira para poderem assegurar as responsabilidades adicionais por exemplo após o nascimento de uma criança.
Quando se considera o trabalho pago e as tarefas domésticas não remuneradas, as mulheres continuam a trabalhar mais horas por dia do que os homens. Nos países em desenvolvimento, a jornada deles gira em torno de oito horas e sete minutos, enquanto a delas chega a nove horas e vinte minutos. O relatório afirma, ainda, que as mulheres têm mais chances de ficar desempregadas do que os homens, com taxas de desemprego global de 6,2% contra 5,5%. A desigualdade impacta a aposentadoria da população feminina, pois segundo a OIT, as mulheres representam quase 65% das pessoas que estão na idade de receber os benefícios de aposentadoria e pensões, mas não recebem absolutamente nada.
O diretor do escritório da OIT em Nova York, Vinícius Pinheiro, falou em entrevista à Rádio ONU sobre as recomendações para melhorar esse quadro. “Primeiro, é fundamental acabar com essa diferença salarial no mercado de trabalho. Não existe qualquer motivo para que uma mulher que tenha o mesmo desempenho, que esteja na mesma posição de um homem na força de trabalho, tenha um salário diferente. Em segundo lugar, é fundamental reconhecer, reduzir e redistribuir o trabalho doméstico, que não é assalariado e que é feito em casa. As mulheres também têm uma carga maior em relação ao trabalho doméstico. O acesso ao sistema de proteção social também é fundamental, incluindo benefícios para a maternidade e creches”, pontua.
DIREITOS
Equidade de gênero no mercado, de acordo com o conceito divulgado e trabalhado pela ONU Mulheres, significa que homens e mulheres sejam tratados de forma justa, de acordo com as suas respectivas necessidades. O tratamento deve considerar, valorizar e favorecer de maneira equivalente direitos, benefícios, obrigações e oportunidades entre homens e mulheres. Promover a igualdade nos negócios, além de garantir um direito humano fundamental, é uma atitude saudável para as empresas, pois é essencial para construir economias fortes, estabelecer sociedades mais estáveis e justas, melhorando a qualidade de vida de todos.
Dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) demonstram que as profissionais do sexo feminino são um público muito relevante a ser considerado em um país com cerca de 100 milhões de mulheres. A empregabilidade com carteira assinada cresceu na última década e, em 2011, a renda das brasileiras chegou a R$ 647 bilhões, além de chefiarem quatro em cada dez famílias.
Apesar de levantamentos comprovando que a escolaridade das mulheres brasileiras tem aumentado em relação aos homens, elas ainda são minoria em cargos de chefia ou naqueles que exigem maior qualificação.
A equidade de gênero foi uma luta pessoal enfrentada por Lecy Garcia, 59, que hoje é sócia e diretora executiva em uma empresa da construção civil. Ela também integra a diretoria do Sindicato da Indústria da Construção do Pará (Sinduscon-PA) e atua há mais de 20 anos na área. Exercendo posição de liderança em um setor predominantemente masculino, ela se preocupa em sensibilizar o corpo de funcionários sobre o tema. “Uma das maiores dificuldades da mulher é lidar com os vários papéis que exerce no dia a dia e existe algo cultural de ver a mulher como alguém frágil. Penso que se trata mais de uma sensibilidade e isso é uma força que nós temos”, observa.
Em sua equipe administrativa e operacional, ela está cercada por outras mulheres, que ocupam cargos na gerência de projetos, engenheiras, arquitetas, técnicas em segurança do trabalho, entre outras. A equidade de gênero é um dos princípios da empresa. "É errado ter essa diferença de salário, que infelizmente ainda ocorre, porque o gênero não determina a competência. No entanto, na minha trajetória profissional eu percebi que a mulher sempre precisa provar a sua capacidade. Os homens não são questionados da mesma forma”, acrescenta. Como mulher e mãe, Lecy tem mais sensibilidade para lidar com conflitos e problemas pessoais das funcionárias.
“Se uma trabalhadora pede para acompanhar o filho doente ao hospital, eu libero. Libero porque se ela não for, não vai ficar inteira na empresa. Eu vivi isto. Ao mesmo tempo em que é preciso essa flexibilidade com a mulher que é trabalhadora e mãe, é necessário que as próprias mulheres não se percam em uma autocobrança, uma carga excessiva, querendo ser super mulheres”, aconselha. Através de palestras e cursos de iniciação política, o respeito à diversidade é bastante discutido com os funcionários.
Para ela, contribuir para o desenvolvimento da consciência crítica das pessoas é o caminho para alcançar equipes de excelência. É essencial, segundo Lecy, que as mulheres se posicionem com argumentos fortes e seguros sobre a equidade de gênero nos empregos, deixando um pouco de lado a competição entre elas mesmas. “Sempre que instalamos um canteiro de obras, procuramos gerar renda na comunidade do entorno e as mulheres sempre estão presentes, muitas vezes fornecendo alimentação e vendendo quentinhas. Impactar positivamente o público externo também é uma forma de empoderar economicamente essas mulheres”, complementa.
Igualdade de gênero ainda está longe de ser realidade na região Norte
A realidade da equidade de gênero ainda está longe de ser alcançada, acredita a socióloga Ádima Monteiro. Ela destaca alguns dos sinais desta deficiência na sociedade, tais como a ocupação de apenas 10% das vagas de parlamentares na Câmara dos Deputados por mulheres, mesmo que elas correspondam a 52% do eleitorado brasileiro. A desigualdade ficou evidenciada no resultado das eleições de 2014, em que apenas uma mulher foi eleita dentre os 27 governadores e a bancada feminina na Assembleia Legislativa do Pará reduziu de seis para três deputadas estaduais.
“Mais um exemplo é que a região Norte tem o menor número de trabalhadoras domésticas com carteira assinada. A cada 100 mulheres, a média do Brasil é de 26,2 trabalhadoras com carteira assinada. Em 2012, a região Norte contabilizava o vergonhoso dado de apenas 12%, segundo o IPEA [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada]”, ressalta. Outro elemento é a ausência e precariedade de creches públicas no país, o que afasta muitas mulheres das vagas de emprego. “Em Belém, por exemplo, temos aproximadamente 120 mil crianças de 0 a 5 anos fora da escola e apenas 7 mil estão sendo atendidas, mas de forma totalmente precarizada”, afirma.
Ádima, que é militante do Movimento de Mulheres Marias, alerta para a importância da população feminina se organizar para encontrar soluções conjuntas e superar as desigualdades, ampliando a participação das mulheres na política. Embora a conscientização dos homens seja necessária para derrubar a ideia de desigualdade no mercado de trabalho, ela defende que o debate passa pelo empoderamento das próprias mulheres. “Como dizia Paulo Freire, o único sujeito que pode se libertar da opressão é o oprimido. Ou seja, as mulheres tem muita força para romper com esta naturalização de que somos inferiores aos homens. Foi discutindo e organizando as mulheres que os movimentos sociais feministas conseguiram conquistas históricas para nós”, completa.
DIPLOMA
O ambiente acadêmico também tem desigualdade. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) divulgou, recentemente, que as mulheres são apenas 28% das pesquisadoras em todo o mundo. O índice fica ainda menor conforme é avaliada a participação delas em posições hierárquicas mais elevadas e atreladas à tomada de decisões. A pesquisa constata que as mulheres também tem menos acesso a financiamento, redes e cargos de destaque, conjuntura que as coloca em desvantagem para a publicação científica de alto impacto.
Ainda de acordo com a Unesco, as probabilidades de uma mulher obter um diploma de bacharel, mestre e doutor em campos relacionados à ciência seriam de, respectivamente, 18%, 8% e 2%. Para os estudantes homens, os valores aumentariam, chegando a 37%, 18% e 6%.
A professora adjunta do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará, Joyce Kelly do Rosário da Silva, 33, é um exemplo que vai de encontro a estes desanimadores índices. Ela foi contemplada com o prêmio “Para Mulheres na Ciência”, em 2013, e atua como pesquisadora há 16 anos.
Graduada em Química, com mestrado e doutorado em Química Orgânica, Joyce atualmente cursa o pós-doutorado na área, na University of Alabama in Huntsville (UAH), nos Estados Unidos. Para ela, a conquista de mais espaço na academia é um avanço pontual. “Na UFPA, o Instituto de Ciências Biológicas apresenta cerca de 53% do corpo docente formado por mulheres. Por outro lado, este número é de apenas 24% no Instituto de Ciências Exatas e Naturais, onde cursei minha graduação e pós-graduação. Eu percebo que ainda há uma participação pequena das mulheres nas ciências exatas. Durante minha, éramos a minoria, e apesar do número ter aumentado ainda vai levar um tempo para que estas garotas ocupem cargos importantes”, avalia.
Outro dado que reflete a desigualdade citado por Joyce é o de que apenas 25% das bolsas de produtividade do Conselho nacional do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (CNPq) são destinadas para mulheres. “Décadas passadas o mercado de trabalho era restrito aos homens e isso afetou diretamente o campo científico. A mulher cientista encontra dificuldades para administrar a vida pessoal, com mudanças como a maternidade e a carreira e consequentemente este fator influencia na sua produção. Hoje em dia acredito que há um maior incentivo do ponto de vista social e familiar, mas teremos resultados a longo prazo”, resume.
Ser mulher e fazer ciência na região Norte do país tem algumas particularidades, para a pesquisadora, que foi a única laureada da região em todas as edições. “Atuar na Amazônia torna-se mais difícil devido à falta de investimentos das intuições de fomento, tanto federais, quanto estaduais e menor concentração de doutores na região. Para solidificar uma carreira como cientista é preciso saber lidar com muitos desafios, uma vez que a desigualdade é real”, comenta. A expectativa dela é que o aumento da inserção das mulheres na academia promova mudanças em diversos aspectos, como maior reconhecimento profissional e maior representatividade nos cargos de chefia nos institutos de pesquisas.
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