terça-feira, 26 de maio de 2015

Preconceito marca luta contra AIDS

*Publicado em O LIBERAL de 01/12/2013

BRENDA PANTOJA
Da Redação

     “A vida é maior do que a Aids e o preconceito”, declara a estudante Maria Silveira, 36, que recebeu a confirmação de que era soropositivo há 13 anos. A luta dela e de milhares de pessoas que convivem com HIV/Aids é contra a discriminação e marca o Dia Mundial de Combate à Aids, celebrado hoje. Também entra na pauta a necessidade de ampliação das estratégias de prevenção e tratamento, pois o impacto social causado pelo diagnóstico de soropositivo ainda é muito grande e, atualmente, afeta diretamente mais de 4.800 pessoas no Pará. Este é o número de pessoas com HIV que estão em tratamento no Estado, das quais cerca de 140 iniciaram a medicação neste ano.
     Dados da Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa) mostram que, no ano passado, 1.270 diagnósticos positivos foram registrados, sendo 761 do sexo masculino e 509 do sexo feminino. O crescimento do número de mortes pela doença é um fator preocupante: o índice pulou de 154 óbitos, em 2000 para 513 em 2011. A capital paraense lidera as notificações, com 1.500 casos entre 2006 e 2011. Para Maria, a desinformação é a principal aliada do preconceito, que enfrentou logo nos primeiros momentos em que descobriu a doença e partiu do profissional de saúde responsável por orientar os pacientes. “A pessoa que me recebeu no pré-acolhimento deu informações distorcidas, disse que se eu transmitisse Aids para alguém poderia ser presa, dentre outras coisas. Como já havia lido algo sobre o assunto, procurei fontes mais confiáveis, mas se fosse com alguém menos esclarecido, isso teria influenciado negativamente e diretamente na forma de encarar a doença e
o tratamento”, conta. 
      A atitude adotada por aquela pessoa, anos atrás, é a que muitos repetem ainda hoje. “Na ocasião, me senti marginalizada por ser mulher, jovem e, na época, profissional do sexo. Muitas pessoas que convivem com HIV e Aids ainda se sentem à margem, o preconceito aparece, não importa quanta
informação seja divulgada sobre o assunto”, acrescenta. Maria lembra que teve o apoio da família e de entidades da sociedade civil, mas não conseguiu começar o tratamento imediatamente. Somente quatro anos depois do diagnóstico foi que iniciou a medicação, quando teve que ser internada. “Adoeci muito por causa da dificuldade em me medicar, na época não era fácil conseguir tratamento. Esse retardamento quase me levou a óbito, cheguei ao hospital com dez doenças oportunistas, mas depois que passei a seguir o tratamento à risca, vivo muito melhor”, afirma.
      Ela considera um agravante quando a discriminação vem da família. “É o ambiente onde a pessoa deve se sentir segura, ter apoio. Se não encontra isso dentro de casa, a autoestima e a confiança é afetada, ela fica desestimulada para se tratar”, avalia. Ao longo de 13 anos convivendo com o vírus, Maria garante que aprendeu muito ao trocar experiências com integrantes de organizações não governamentais (ONGs). “Aprendi que a força de vontade é maior do que a Aids. Consegui perceber que as pessoas precisam enxergar mais do que um transmissor em potencial da doença, mas sim um ser humano e quando o próprio paciente entende isso, consegue eliminar o preconceito de si mesmo”, relata. Ainda segundo ela, a conscientização também precisa partir dos soropositivos ao usarem preservativo, terem cuidado com o corpo, para que se tornem agentes multiplicadores na prevenção da Aids.
      Maria faz parte da ONG coordenada por Jair Santos, o Grupo Para Valorização, Integração e Dignificação do Doente de AIDS (Paravidda). A entidade tem cerca de 1.500 usuários cadastrados, mas nas ações que realiza atende, em média, sete mil pessoas por ano. Os serviços ofertados são de assistência social, creche, grupos de adesão ao tratamento, acompanhamento psicológico, entre outros. “A falta de apoio da iniciativa privada e dos governos, além do preconceito, é o principal gargalo do nosso trabalho. As ações do governo são muito importantes, são necessárias, mas devem ser sempre acompanhadas de informação. Não adianta entregar preservativos sem orientar sobre o uso, por exemplo”, observa. Ele  acredita que as ONGs são um canal de acesso direto, por falarem a linguagem do povo de forma mais próxima.
      “As entidades da sociedade civil são os maiores atores na conscientização, mas sabemos que o  preconceito é arraigado na sociedade. A Aids é uma doença crônica, mas o que a torna tão marginalizada é a transmissão através da relação sexual, que ainda é um tabu, pois é associado à promiscuidade”, pontua. Ainda de acordo com ele, o serviço público não está preparado para algumas situações e é aí que as ONGs entram, com o trabalho humanizado, fazendo o controle social do Sistema Único de Saúde (SUS) e monitorando as demandas de exames e medicamentos. ”O Dia Mundial de Combate à Aids, para nós, é mais um dia. A nossa luta é diária. Os governos precisam interagir mais com as pessoas que convivem com HIV/Aids, porque vidas não esperam”, completa.
       Entre os dias 27 e 29 de novembro, a Sespa realizou a Campanha de Luta contra a Aids e a Sífilis no Pará. Foram três dias de palestras, mesas redondas e debates sobre o tema, além do lançamento do projeto “Video Conferência”, onde profissionais poderão tirar dúvidas e dar orientações através da internet , e do aplicativo “AidsAPP”, um dispositivo móvel com informações importantes sobre a doença. As ferramentas foram desenvolvidas pela equipe do Núcleo de Tecnologia da Informação e Informática em Saúde (NTIIS) da secretaria. O software está disponível no site da Sespa (www.saude.pa.gov.br) e pode ser baixado em smartphones que dispõem de sistema Android. “Esse é mais um mecanismo que será utilizado de forma prática, para que possamos efetivamente fazer telemedicina. A iniciativa vai facilitar a chegada em vários cantos do Estado, para trabalharmos a educação continuada”, afirma o titular da Sespa, Helio Franco. A coordenadora Estadual de DST/Aids, Débora Crespo, adiantou que já há um cronograma para a realização de videoconferências em vários municípios do Pará, para ampliar a discussão sobre prevenção e tratamento da Sífilis e Aids.
       O novo protocolo adotado  pelo governo brasileiro, de expandir o tratamento aos portadores do vírus que não manifestaram a doença, é um dos avanços na luta contra a Aids, segundo ela. “O aumento dos Centros de Testagem e Acolhimento (CTA’s), que agora são 61 no Estado e o acompanhamento mais próximo das gestantes por meio da Rede Cegonha também colaboraram para ampliar o atendimento”, reforça. “Os municípios paraenses precisam agir em parceria, aqui temos desafios com áreas portuárias, áreas de mineração e locais onde o sexo vira moeda de troca e a prostituição começa muito cedo. Ao disponibilizar o remédio para todos que possuem HIV, a concentração do vírus diminui, caindo também o risco de transmissão e melhorando a qualidade de vida”, explica.
      Em relação ao preconceito, Débora destacou o trabalho da sociedade civil. “O estigma em torno da doença precisa ser quebrado, por isso o terceiro setor é importante, pois faz a ponte tanto com o poder público, quanto com pessoas que foram infectadas e podem dar depoimentos com propriedade”, defende. Ela detalhou também o uso do aplicativo desenvolvido pela Sespa. “É um programa educativo que traz instruções sobre o uso do preservativo feminino, mostra o perfil epidemiológico de várias localidades, assim como os endereços das redes de serviço”, complementa. A Unidade de Referência Especializada em Doenças Infecciosas e Parasitárias Especiais (Uredipe) é referência de atendimento aos pacientes com HIV/Aids e atende cerca de 5.200 pessoas atualmente, segundo a coordenadora, Jane Durans. “Temos observado o aumento de pessoas infectadas acima dos 60 anos, que somam quase 240, o que é reflexo da mudança no estilo de vida. Estamos vivendo mais e melhor, o que influencia na sexualidade, mas a informação é crucial para prevenir a doença, em qualquer idade e em qualquer grupo social”, destaca.
      Apesar de gays, bissexuais, profissionais do sexo, travestis, mulheres transexuais, usuários de drogas, detentos e moradores de rua serem apontados como a população mais vulnerável, Jane faz questão de frisar que todos estão suscetíveis ao HIV. “Uma vez identificado como soropositivo, o paciente é avaliado por uma equipe multiprofissional que vai ajuda-lo a absorver o impacto inicial do diagnóstico e tirar as dúvidas sobre tratamento, além de dar demais orientações”, assegura. Ela enfatiza que questões básicas como alimentação balanceada, higiene do corpo e do ambiente se tornam essenciais para a pessoa que convive com HIV/ Aids, pois ajudam a evitar as
infecções oportunistas.

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