domingo, 31 de maio de 2015

Relatos de um certo Milton Hatoum

* Publicado no Guia da XVIII Feira Pan-Amazônica do Livro, encartado no jornal O LIBERAL em 30/05/2014 


O escritor amazonense de origem libanesa será um dos principais homenageados da Pan-Amazônica deste ano. Para ele, o convite reforça o seu amor pela capital paraense.

     Nascido em Manaus e com descendência libanesa, o escritor Milton Hatoum, de 61 anos, não esconde o carinho por Belém. Ele diz que o convite para ser o escritor homenageado da Feira Pan-Amazônica deste ano, juntamente com o título honorífico de “Cidadão do Pará” concedido no ano passado pela Assembleia Legislativa do Estado, reforçaram um “antigo caso de amor” com a capital paraense. 
      Mesmo contemplado quatro vezes com o Prêmio Jabuti, o amazonense conta que não acredita muito em “méritos”. Mas ele é considerado um dos grandes escritores do Brasil e sua obra inclui romances como “Relato de um Certo Oriente”, “Dois Irmãos”, “Cinzas do Norte”, “Órfãos do Eldorado” [onde deixa escapar seu amor por Belém], além dos livros de contos, crônicas e poesia. Com publicações traduzidas  em 12 línguas e lançadas em 14 países, Hatoum fala sobre a conexão com a cultura árabe e de sua relação com a produção literária regional.

Além do senhor, que tem descendência libanesa, o Qatar também será homenageado nessa edição da Feira, numa abordagem da cultura árabe em geral. Por que se destacar a integração entre duas culturas tão ricas?
Nós somos mestiços, como todos os brasileiros. Homenagear a cultura árabe passa obrigatoriamente pela brasileira. Alguns traços dessa cultura já foram trazidos pelos colonizadores portugueses. Na nossa língua há uma herança árabe, por causa da presença daquele povo por sete séculos na Espanha e três séculos em Portugal. Temos estudos maravilhosos sobre essa influência. 

Sua obra será tema de um seminário, onde serão abordadas as memórias acerca de Manaus e você ministrará uma palestra “Passagens para um Certo Oriente”. Como o seu trabalho faz essa ponte entre Ocidente e Oriente? 
Durante o seminário vou falar das origens do romance [Relato de um Certo Oriente], de como ele surgiu, da relação entre a vida e a literatura, do que me inspirou e quais foram as dificuldades técnicas de construir essa narrativa. Foram quase seis anos de trabalho para terminar esse livrinho, que completa agora 25 anos. Vou dividir as minhas impressões acerca desse Oriente meio difuso, dessa língua árabe que me escapou, mas está na minha alma e memória como uma melodia, uma linguagem da infância. Ela existe como sons, como prosódia e essa carnalidade da língua, que é puramente o som, é muito familiar para mim. Embora eu não fale o árabe, eu o sinto. Isto é algo que se perdeu muito entre os imigrantes, já na segunda terceira geração. A minha família é um exemplo, pois o meu pai era libanês, mas a minha mãe era amazonense.

O que representa, para o senhor, ser o escritor homenageado da Feira e poder interagir com um público tão diversificado, composto em boa parte de jovens leitores? O que espera desse contato?
Sinto-me muito honrado e contente em ser homenageado, em especial, porque agora sou oficialmente também um paraense, pois ganhei o título de “Cidadão do Pará”. Tenho uma verdadeira paixão por Belém, já é um caso antigo. Dois dos grandes amigos da minha vida são de Belém, a Maria Lúcia Medeiros e o Benedito Nunes, com quem publiquei em parceria o livro “Crônica de Duas Cidades: Belém e Manaus”. Foram amigos queridíssimos, com eles aprendi muito, não só a aprendizagem intelectual. Benedito foi, inclusive, um dos primeiros críticos a falar de “Relato” e escreveu um ensaio belíssimo sobre “Dois Irmãos”, que está em sua obra “A Clave do Poético”. A Feira é um evento muito necessário no momento em que não só o Brasil, mas o mundo todo optou pela banalidade e pela trivialidade. Uma secretaria de Cultura que investe numa feira de livros de qualidade está apostando na formação de leitores e consequentemente no fortalecimento da cidadania e consciência crítica. Dar aos jovens a possibilidade de ler bons livros é um alcance incrível do evento. Discutir literatura com eles, com professores e leitores de modo geral será um imenso prazer e é uma coisa fundamental. Em Manaus, a feira começou a ser realizada há poucos anos. Do ponto de vista da cultura, Belém sempre foi muito viva e vibrante e, às vezes, não depende da economia do Estado, depende das mentes que coordenam uma política cultural. 

O livro “Órfãos do Eldorado” explora Belém e está sendo adaptado para o cinema. As filmagens já terminaram? Há novos projetos de adaptação das suas obras?
Sim, a adaptação do livro já terminou e o filme deve ser lançado agora no segundo semestre. Tiveram várias cenas rodadas em Belém, inclusive a Dira Paes (atriz paraense) está no elenco. Espero que passe no circuito comercial de Belém e Manaus, seria tristíssimo se ele ficasse de fora das salas. Mas também há novos projetos. “Relato de um Certo Oriente” vai ser adaptado por Marcelo Gomes, diretor de “Cinema, Aspirina e Urubus”, mas ainda estão trabalhando no roteiro e deve demorar mais. Já o “Dois Irmãos” vai ser mesmo uma minissérie da Rede Globo, dirigido pelo Luis Fernando  Carvalho [que comandou a microssérie “Capitu”, baseado no livro “Dom Casmurro”]. Parece que as filmagens ainda não iniciaram e deve ser lançado somente no próximo ano. 

Como é a sua relação com a produção literária da região?
Gosto muito e observo sempre. A vida cultural em Belém é muito intensa, tenho uma ligação afetiva não só com a cidade, mas com as pessoas. Por exemplo, o fotógrafo Luiz Braga é o autor de muitas capas dos meus livros. A literatura paraense tem grandes poetas, como o Max Martins e João Jesus de Paes Loureiro. Antônio Moura e Marcílio Costa são poetas mais jovens que li recentemente, quando eles gentilmente me entregaram seus exemplares e gostei muito. Não podemos esquecer de Haroldo Maranhão e Vicente Cecim, que é uma espécie de mago da linguagem, um peregrino e transgressor. Todos são escritores que eu admiro. Da própria Maria Lúcia Medeiros, gosto muito dos contos. Na região há toda uma formação de críticos que herdaram a obra do Benedito Nunes, para o estudante de literatura e filosofia do Pará, já é uma referência muito consistente. Então, acredito que se eu fosse aconselhar os jovens, diria que lessem “O Tempo na Narrativa”, de Benedito, que é um livro maravilhoso sobre o tempo nos grandes romances. Usava bastante quando era professor e os alunos gostavam muito.



sexta-feira, 29 de maio de 2015

Preço da refeição é mais alto em Belém

 *Publicado em O LIBERAL de 27/04/2014

BRENDA PANTOJA
Da Redação      

      A tradicional combinação de feijão com arroz continua muito querida pelos brasileiros, principalmente na região Norte, onde a procura pelo prato nos restaurantes cresceu mais de 40%, ficando acima da média nacional de 30%. A pesquisa feita pela Associação das Empresas de Refeição e Alimentação Convênio para o Trabalhador (Assert) constatou também que o preço médio de uma refeição, em Belém, é mais caro do que o valor médio nacional de R$ 30,14. Na capital paraense, é preciso desembolsar R$ 32,46 para pagar um prato mais bebida, sobremesa e café.
       Foram analisados os restaurantes que trabalham nos sistemas comercial, autosserviço, executivo e à la carte. O levantamento, intitulado “Refeição Assert Preço Médio 2014” verificou que o feijão com arroz é democraticamente oferecido em 89% dos estabelecimentos pesquisados em todo o país. Analisados separadamente, o feijão lidera o gosto popular. Segundo a Assert, na região Norte, a preferência pelo feijão cresceu 43%, enquanto a procura pelo arroz aumentou em 41%. Osberto Marques gerencia um restaurante no centro de Belém, no bairro da Campina, e observa esta diferença no consumo, fator que leva em consideração na hora de montar as refeições.
      “Um prato feito pesa cerca de 600 gramas e mais da metade disso é composto por arroz e feijão, podendo incluir também macarrão. Se coloco 180 gramas de arroz, vão duas conchas de feijão, que dá uns 250 gramas”, calcula. A proporção foi elaborada por ele quando entrou no segmento, há quatro anos, depois de quase três décadas trabalhando com cozinha industrial e executiva. “Trabalhei muito tempo com acompanhamento de nutricionistas e resolvi mudar para o público comercial porque queria um rendimento maior. De fato, são clientes que se fidelizam; tem pessoas que almoçam diariamente comigo desde que o restaurante abriu”, conta.
     Pelo próprio perfil dos fregueses dele, que compram o almoço pronto por R$ 8, o cardápio não varia muito. “Eles reclamam se faltar, por exemplo, carne assada e calabresa acebolada. Os tipos de carne não mudam muito, assim como a salada. A grande variedade de pratos é característica de buffets self-service”, diz. Para os paraenses, no entanto, há um diferencial que a pesquisa da Assert não levou em consideração. O açaí faz parte da refeição principal e no restaurante de Osberto, o prato feito pode vir acompanhado de uma porção de açaí, por mais R$ 2.
      Ele oferece a opção de pagar por quilo, mas não é a que faz mais sucesso. “Com a disparada no preço da carne no último ano, eu tive que subir também o valor do prato, mas foi pouca coisa e não  prejudicou as vendas. Aumentou em um real e os clientes não reclamaram, porque eles também sentiram a inflação em casa”, ressalta.

Programa alimentar do governo é considerado ferramenta de inclusão

     O estudo da Assert avaliou ainda que Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), do Ministério do Trabalho e Emprego, é uma ferramenta de inclusão, uma vez que um trabalhador gasta um montante significativo por mês para se alimentar durante o expediente. 
       O programa beneficia 17 milhões de trabalhadores com registro em carteira, sendo que 80% têm renda até cinco salários mínimos. “Ao atender prioritariamente a população de baixa renda, o PAT assume um forte componente social de inclusão, pois garante a quem mais precisa o acesso à alimentação. Ao elevar a produtividade dos trabalhadores, conforme já comprovado por estudos, ele contribui também para a competitividade da economia brasileira”, destaca Artur Almeida, presidente da Assert. Ele também chama a atenção para o fato de que os estabelecimentos, como o de Osberto, representam uma ótima relação custo-benefício com boa perspectiva de equilíbrio nutricional e no preço. 
      Nestes estabelecimentos o carro chefe é o prato típico da culinária brasileira, onde a base é a mistura de feijão com arroz, rica nutricionalmente, além de algum tipo de carne (bife, frango, filé de peixe) e salada. No Norte, o preço médio do prato nos restaurantes comerciais, acrescido de bebida, sobremesa e cafezinho é de R$ 17,87. Apenas para 40% do público deste segmento, arroz e feijão estão associados a uma alimentação saudável. O técnico judiciário João Batista Abreu, de 53 anos, almoça fora de casa diariamente e faz o possível para controlar os gastos e balancear a alimentação.
      “Prefiro restaurantes populares, de comida a quilo, porque geralmente têm mais opções”, afirma. Em relação aos preços, o aumento foi notado claramente por ele nos estabelecimentos dentro de shopping centers. “Enquanto é possível perceber restaurantes comerciais que ficaram 10% mais caros, esse crescimento pula para até 30% nos shoppings. Só vale a pena quando a gente sai da rotina, pois arroz e feijão ainda são o melhor custo-benefício para quem inclui a alimentação fora de casa no orçamento”, completa.

terça-feira, 26 de maio de 2015

Belém tem 80% dos poços contaminados

*Publicado em O LIBERAL de 23/03/2014

BRENDA PANTOJA
Da Redação

     O portão de madeira da casa de Neuza Palheta Favacho dificilmente é encontrado fechado. No meio de um jardim bem conservado, fica um poço que é visitado por boa parte da vizinhança que não dispõe de água encanada na rua Tiradentes, conjunto do Paracuri II, em Icoaraci. Ela é dona de um dos quase 40 mil poços particulares encontrados na Região Metropolitana de Belém (RMB) por pesquisadores da Universidade Federal do Pará. Deste número, eles estimam que a média de contaminação chegue a 80%, mostrando que entre 600 mil a 700 mil habitantes da área consomem água de baixa qualidade.
        Dona Neuza não revela a idade, dizendo apenas que “são mais de 80 anos”, mas contou que mora na mesma rua há onze anos e o poço já estava lá quando se mudou. A água só chegou à torneira dela há cinco anos, quando uma ligação clandestina foi feita. “Mesmo assim deixei o poço, porque a maior parte da rua não tem água. Fico com muita pena deles, principalmente das crianças. Enquanto esse poço não secar não tenho porque fechar”, diz. A doméstica Laura Silva, 37, é vizinha dela e a ajudou com o abastecimento. “Quando puxei a ligação pra minha casa, puxei para a dela também, para facilitar e não deixar ela usando só água de poço, ainda que a água da torneira seja mais amarela. A do poço é ótima para lavar roupa, deixa tudo branquinho e não mancha”, afirma. 
      Por morar sozinha, dona Neuza não tem como controlar efetivamente a manutenção do poço, mas faz o que pode. “Se vejo que o balde está muito sujo, lavo ou troco ele. Mas quando a equipe da saúde vem, eles sempre jogam uns produtos para limpar e até agora ninguém da rua reclamou dessa água”, relata.
    A dona de casa Ana Costa Jardim, 70, não confia na água fornecida pelo Sistema de Abastecimento Autônomo de Água e Esgoto de Belém (Saaeb). Também moradora da rua Tiradentes, o genro foi quem cavou o poço e colocou uma bomba para puxar água para a caixa, que supre todas as  necessidades da família. “Uso um pedaço de pano na torneira e em um dia com a água da Saaeb ele fica mais sujo do que em uma semana usando a água do poço”, compara. O uso da bomba representa um gasto extra na conta de energia elétrica, mas ela acredita que compensa por poder usar uma água mais limpa e sem “gosto de ferrugem”.
       Entre os cuidados que ela toma, estão a tampa improvisada para não deixar cair lixo ou bichos, jogar água sanitária uma vez por mês e fazer os filhos limparem o poço anualmente. Assim como Neuza, ela não sabe precisar a profundidade do reservatório. “Quando os vizinhos das outras ruas pedem para encher os garrafões eu deixo, porque água não se nega para ninguém. Além do mais, ninguém nunca passou mal e a gente consome todo dia. Uso para cozinhar e beber, mesmo sem ferver ou filtrar”, admite. Poço amazonas ou poço escavado é o tipo existente nas casas de Ana e Neuza, também conhecida popularmente como “poço de boca” e geralmente com 2 a 20 metros de  profundidade, segundo o professor Milton Antonio da Silva Matta.

DOENÇAS
       Ele é um dos pesquisadores do Instituto de Geociências e coordenador do Mestrado Profissional em Recursos Hídricos da UFPA. Matta monitorou a incidência dos poços na RMB na última década e observou que o número dobrou neste período. “A prática se intensificou, pulando de cerca de 20 mil para 40 mil. A população não confia na água fornecida, que em muitas áreas é de baixa qualidade, quando tem. No entanto, o poço é uma fonte de doenças de veiculação hídrica e não é recomendado”, explica. Ele esclarece que o principal problema dos poços é a ausência das condições adequadas de higiene, por serem mal construídos na maioria das vezes. “Mesmo fervendo esta água, existem bactérias termotolerantes, ou seja resistentes ao calor. O uso de filtro também não é o suficiente”, alerta. 
       Ainda de acordo com ele, o potencial de contaminação bacteriológica dos poços é muito alto e doenças como febre tifoide e reações alérgicas podem ser contraídas. “O Ministério Público deveria se voltar para essa questão, assim como a Cosanpa (Companhia de Saneamento do Pará) precisa mudar o sistema de abastecimento atual, oferecer um serviço de qualidade para os habitantes”, completa.
     Aproximadamente 30% da capital paraense é abastecida pela Cosanpa com água de poços, assegura a presidente da Companhia, Noêmia Jacob. “São poços profundos, com no mínimo 80 até 200 metros e a água passa por tratamento. Essa que é a diferença dos poços particulares e onde está o perigo, pois esse líquido normalmente tem alta concentração de ferro, além da contaminação também”, acrescenta. Ela argumenta ainda que muitas pessoas, mesmo que estejam na área de cobertura, optam pelo poço para tentar reduzir custos. Atualmente, pouco mais de 60% de Belém é coberta pela Cosanpa, com alguns setores atendidos por poços, funcionando como “sistemas isolados”.
     “Seria ideal ter rios perenes e prover todo o abastecimento deles, mas em Belém você não consegue fazer isso. Em lugares como a avenida Augusto Montenegro por exemplo, onde a ocupação populacional tem crescido muito, funciona melhor criar um microssistema e fazer a captação com poços”, defende. A deficiência no fornecimento ainda é um dos principais problemas da população e Noêmia prevê investimentos de R$ 1,2 bilhão em todo o Estado, sendo R$ 300 milhões só em Belém, para os próximos anos. Segundo ela, a meta é ampliar a rede e alcançar 80% de cobertura, e depois a universalização. Em Icoaraci, há investimento previsto para a adutora da Augusto Montenegro e a Cosanpa aguarda as negociações com a prefeitura para assinar o contrato de concessão e assumir a  Saaeb. “Somente depois serão realizados os levantamentos para identificar o que precisa ser feito no sistema do distrito para melhorar a qualidade e quantidade do abastecimento”, garante.

Beijo gay enfrenta estigma na vida real

*Publicado em O LIBERAL de 16/02/2014

BRENDA PANTOJA
Da Redação

     O beijo gay exibido há duas semanas no último capítulo da novela “Amor à Vida”, protagonizado pelos personagens Félix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso), ainda é alvo de discussões polêmicas e o debate deve se prolongar com a construção de um novo casal homossexual no horário nobre da TV Globo. “Em Família” apresentou, nesta semana, Marina (Tainá Muller) e Clara (Giovanna Antonneli). “Estou preparada para contar uma história de amor, esse é meu desafio como atriz nessa novela. Se o autor escrever o beijo, será feito”, afirmou Giovanna, em entrevista ao portal Uol. O desenvolvimento do romance será um bom termômetro para avaliar a aceitação do público, que repercutiu positivamente o primeiro beijo nas redes sociais.
     Fora da ficção, no entanto, casais homossexuais enfrentam preconceito ao demonstrarem afeto em público. O analista judiciário Christian Maltez, 39, e o estudante Mauro Júnior, 20, namorados há pouco mais de um ano, conversaram sobre o assunto com O LIBERAL nos arredores da Praça da República, em Belém, e a reação das pessoas ao presenciarem demonstrações de carinho entre eles variou entre olhares desconfiados, espanto e risadas. Alguns vendedores de estabelecimentos próximos pararam para observar a entrevista, mas ninguém aceitou dar opinião sobre a liberdade para troca de afetos em público entre casais homoafetivos. 
     Christian e Mauro contam que nunca foram ofendidos ou agredidos. Para Christian, romper com a discriminação significa mais do que o direito de trocar carícias na rua sem ser desrespeitado. “A luta do movimento LGBT não se limita a definir onde um casal gay tem liberdade de se expressar ou não, o maior problema é que a sociedade discrimina quando não garante direitos ao cidadão homossexual”, afirma. Ele reconhece que os padrões de comportamento devem ser respeitados em público, o que é válido também para casais heterossexuais. “O objetivo não é afrontar e escandalizar, mas exercer a tolerância”, completa. 
    Christian argumenta que, mesmo com as recentes leis aprovadas a respeito do casamento e adoção, a rejeição do PLC 122, que criminaliza a homofobia, deixa muitas pessoas desamparadas. “O respeito que eu espero das pessoas é o mesmo que eu pratico e essa postura faz diferença no processo de aceitação da sociedade”, observa. A diferença de idade entre eles não é um problema no relacionamento e até realça os diferentes modos de pensar. “Estas expressões deveriam  ser vistas como algo natural, não foi algo que surgiu agora”, defende Mauro, mais novo, e participante recente do debate que somente há alguns anos ganhou maiores proporções. Já Christian pondera que a reação da sociedade é resultado de preconceitos enraizados, mas isso não justifica a intolerância.
     Para a sexóloga Elizabeth Cristina Mendes, a sexualidade é um tabu e a restrição na discussão é imposta a todos, englobando heteros, gays e idosos, por exemplo. “Todos têm desejo, mas a convenção social determina que você não expresse publicamente, reservando-o para espaços privados. Um casal gay confronta isso duplamente, pois a sociedade ainda se agarra a normas que ficaram no passado, como a ideia do sexo exclusivo para reprodução”, diz.

Preconceito marca luta contra AIDS

*Publicado em O LIBERAL de 01/12/2013

BRENDA PANTOJA
Da Redação

     “A vida é maior do que a Aids e o preconceito”, declara a estudante Maria Silveira, 36, que recebeu a confirmação de que era soropositivo há 13 anos. A luta dela e de milhares de pessoas que convivem com HIV/Aids é contra a discriminação e marca o Dia Mundial de Combate à Aids, celebrado hoje. Também entra na pauta a necessidade de ampliação das estratégias de prevenção e tratamento, pois o impacto social causado pelo diagnóstico de soropositivo ainda é muito grande e, atualmente, afeta diretamente mais de 4.800 pessoas no Pará. Este é o número de pessoas com HIV que estão em tratamento no Estado, das quais cerca de 140 iniciaram a medicação neste ano.
     Dados da Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa) mostram que, no ano passado, 1.270 diagnósticos positivos foram registrados, sendo 761 do sexo masculino e 509 do sexo feminino. O crescimento do número de mortes pela doença é um fator preocupante: o índice pulou de 154 óbitos, em 2000 para 513 em 2011. A capital paraense lidera as notificações, com 1.500 casos entre 2006 e 2011. Para Maria, a desinformação é a principal aliada do preconceito, que enfrentou logo nos primeiros momentos em que descobriu a doença e partiu do profissional de saúde responsável por orientar os pacientes. “A pessoa que me recebeu no pré-acolhimento deu informações distorcidas, disse que se eu transmitisse Aids para alguém poderia ser presa, dentre outras coisas. Como já havia lido algo sobre o assunto, procurei fontes mais confiáveis, mas se fosse com alguém menos esclarecido, isso teria influenciado negativamente e diretamente na forma de encarar a doença e
o tratamento”, conta. 
      A atitude adotada por aquela pessoa, anos atrás, é a que muitos repetem ainda hoje. “Na ocasião, me senti marginalizada por ser mulher, jovem e, na época, profissional do sexo. Muitas pessoas que convivem com HIV e Aids ainda se sentem à margem, o preconceito aparece, não importa quanta
informação seja divulgada sobre o assunto”, acrescenta. Maria lembra que teve o apoio da família e de entidades da sociedade civil, mas não conseguiu começar o tratamento imediatamente. Somente quatro anos depois do diagnóstico foi que iniciou a medicação, quando teve que ser internada. “Adoeci muito por causa da dificuldade em me medicar, na época não era fácil conseguir tratamento. Esse retardamento quase me levou a óbito, cheguei ao hospital com dez doenças oportunistas, mas depois que passei a seguir o tratamento à risca, vivo muito melhor”, afirma.
      Ela considera um agravante quando a discriminação vem da família. “É o ambiente onde a pessoa deve se sentir segura, ter apoio. Se não encontra isso dentro de casa, a autoestima e a confiança é afetada, ela fica desestimulada para se tratar”, avalia. Ao longo de 13 anos convivendo com o vírus, Maria garante que aprendeu muito ao trocar experiências com integrantes de organizações não governamentais (ONGs). “Aprendi que a força de vontade é maior do que a Aids. Consegui perceber que as pessoas precisam enxergar mais do que um transmissor em potencial da doença, mas sim um ser humano e quando o próprio paciente entende isso, consegue eliminar o preconceito de si mesmo”, relata. Ainda segundo ela, a conscientização também precisa partir dos soropositivos ao usarem preservativo, terem cuidado com o corpo, para que se tornem agentes multiplicadores na prevenção da Aids.
      Maria faz parte da ONG coordenada por Jair Santos, o Grupo Para Valorização, Integração e Dignificação do Doente de AIDS (Paravidda). A entidade tem cerca de 1.500 usuários cadastrados, mas nas ações que realiza atende, em média, sete mil pessoas por ano. Os serviços ofertados são de assistência social, creche, grupos de adesão ao tratamento, acompanhamento psicológico, entre outros. “A falta de apoio da iniciativa privada e dos governos, além do preconceito, é o principal gargalo do nosso trabalho. As ações do governo são muito importantes, são necessárias, mas devem ser sempre acompanhadas de informação. Não adianta entregar preservativos sem orientar sobre o uso, por exemplo”, observa. Ele  acredita que as ONGs são um canal de acesso direto, por falarem a linguagem do povo de forma mais próxima.
      “As entidades da sociedade civil são os maiores atores na conscientização, mas sabemos que o  preconceito é arraigado na sociedade. A Aids é uma doença crônica, mas o que a torna tão marginalizada é a transmissão através da relação sexual, que ainda é um tabu, pois é associado à promiscuidade”, pontua. Ainda de acordo com ele, o serviço público não está preparado para algumas situações e é aí que as ONGs entram, com o trabalho humanizado, fazendo o controle social do Sistema Único de Saúde (SUS) e monitorando as demandas de exames e medicamentos. ”O Dia Mundial de Combate à Aids, para nós, é mais um dia. A nossa luta é diária. Os governos precisam interagir mais com as pessoas que convivem com HIV/Aids, porque vidas não esperam”, completa.
       Entre os dias 27 e 29 de novembro, a Sespa realizou a Campanha de Luta contra a Aids e a Sífilis no Pará. Foram três dias de palestras, mesas redondas e debates sobre o tema, além do lançamento do projeto “Video Conferência”, onde profissionais poderão tirar dúvidas e dar orientações através da internet , e do aplicativo “AidsAPP”, um dispositivo móvel com informações importantes sobre a doença. As ferramentas foram desenvolvidas pela equipe do Núcleo de Tecnologia da Informação e Informática em Saúde (NTIIS) da secretaria. O software está disponível no site da Sespa (www.saude.pa.gov.br) e pode ser baixado em smartphones que dispõem de sistema Android. “Esse é mais um mecanismo que será utilizado de forma prática, para que possamos efetivamente fazer telemedicina. A iniciativa vai facilitar a chegada em vários cantos do Estado, para trabalharmos a educação continuada”, afirma o titular da Sespa, Helio Franco. A coordenadora Estadual de DST/Aids, Débora Crespo, adiantou que já há um cronograma para a realização de videoconferências em vários municípios do Pará, para ampliar a discussão sobre prevenção e tratamento da Sífilis e Aids.
       O novo protocolo adotado  pelo governo brasileiro, de expandir o tratamento aos portadores do vírus que não manifestaram a doença, é um dos avanços na luta contra a Aids, segundo ela. “O aumento dos Centros de Testagem e Acolhimento (CTA’s), que agora são 61 no Estado e o acompanhamento mais próximo das gestantes por meio da Rede Cegonha também colaboraram para ampliar o atendimento”, reforça. “Os municípios paraenses precisam agir em parceria, aqui temos desafios com áreas portuárias, áreas de mineração e locais onde o sexo vira moeda de troca e a prostituição começa muito cedo. Ao disponibilizar o remédio para todos que possuem HIV, a concentração do vírus diminui, caindo também o risco de transmissão e melhorando a qualidade de vida”, explica.
      Em relação ao preconceito, Débora destacou o trabalho da sociedade civil. “O estigma em torno da doença precisa ser quebrado, por isso o terceiro setor é importante, pois faz a ponte tanto com o poder público, quanto com pessoas que foram infectadas e podem dar depoimentos com propriedade”, defende. Ela detalhou também o uso do aplicativo desenvolvido pela Sespa. “É um programa educativo que traz instruções sobre o uso do preservativo feminino, mostra o perfil epidemiológico de várias localidades, assim como os endereços das redes de serviço”, complementa. A Unidade de Referência Especializada em Doenças Infecciosas e Parasitárias Especiais (Uredipe) é referência de atendimento aos pacientes com HIV/Aids e atende cerca de 5.200 pessoas atualmente, segundo a coordenadora, Jane Durans. “Temos observado o aumento de pessoas infectadas acima dos 60 anos, que somam quase 240, o que é reflexo da mudança no estilo de vida. Estamos vivendo mais e melhor, o que influencia na sexualidade, mas a informação é crucial para prevenir a doença, em qualquer idade e em qualquer grupo social”, destaca.
      Apesar de gays, bissexuais, profissionais do sexo, travestis, mulheres transexuais, usuários de drogas, detentos e moradores de rua serem apontados como a população mais vulnerável, Jane faz questão de frisar que todos estão suscetíveis ao HIV. “Uma vez identificado como soropositivo, o paciente é avaliado por uma equipe multiprofissional que vai ajuda-lo a absorver o impacto inicial do diagnóstico e tirar as dúvidas sobre tratamento, além de dar demais orientações”, assegura. Ela enfatiza que questões básicas como alimentação balanceada, higiene do corpo e do ambiente se tornam essenciais para a pessoa que convive com HIV/ Aids, pois ajudam a evitar as
infecções oportunistas.