Da Redação
Belém apareceu entre as 20 cidades mais violentas do mundo, ocupando a 18ª colocação na pesquisa, divulgada no ano passado pela organização não governamental (ONG) Conselho Cidadão para a Segurança Pública e Justiça Penal, do México. Os dados mostraram que a capital paraense tinha registrado 53,06 assassinatos para cada 100 mil habitantes. Outro estudo aponta que os 205 mais ricos da cidade detêm 70% da riqueza, enquanto apenas 5% ficam com os 20% mais pobres. O levantamento, que é do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), constata ainda que 33% dos habitantes são vulneráveis à pobreza, bem como, quase 30% da população ocupada não possui o fundamental e nem carteira assinada.
Os índices estão diretamente ligados e dizem muito sobre a desigualdade social na cidade que acabou de completar 400 anos. Quem destaca as informações é o professor Reinaldo Nobre Pontes, do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Pará (UFPA). Assistente social com doutorado em Sociologia pela Universidad Complutense de Madrid, ele defende que a desigualdade social é a verdadeira nascente da violência. A relação entre estes dois aspectos precisa ser repensada, o que exige outro olhar sobre a criminalidade em Belém.
Em 2012, Belém chegou a ser eleita a 10ª cidade mais violenta do mundo pela mesma ONG. Logo após a divulgação da pesquisa, a Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) contestou a inclusão de Belém, afirmando que os dados analisados misturavam homicídios dolosos e culposos, mortes no trânsito, suicídio e outras situações que levam ao óbito. No entanto, o ranking brasileiro estabelecido pelo Mapa da Violência, coordenado por Julio Jacobo Waiselfisz, demonstra que entre 2000 e 2012 a taxa geral de homicídios em Belém cresceu 43,6%, enquanto as mortes violentas entre os jovens aumentaram em 62,5% no mesmo período.
Em bairros como Cabanagem e Benguí, a debilidade de políticas públicas favorecedoras de mais justiça e igualdade social, bem como a dificuldade de acesso a serviços básicos como educação e saúde de qualidade, são questões sérias, que podem impactar profundamente a vida de seus moradores. É o caso dos adolescentes Patrick Mesquita, Marcos Yan e Danúbia Rodrigues. Todos eles têm 15 anos e frequentam há mais de um ano o polo Mangueirão do projeto Pro Paz nos Bairros. Os meninos moram no bairro da Cabanagem e Danúbia vive no Benguí, onde contam que a violência urbana e institucional são situações rotineiras.
Danúbia, que cursa o nono ano do ensino fundamental, considera a precariedade da educação o maior retrato de uma sociedade desigual. “Lá no bairro, tem escolas que são dominadas pela malandragem, outras que são constantemente assaltadas, tem alunos que consomem droga lá mesmo. O colégio se torna um ambiente errado, justamente quando a educação deveria ser a base de tudo”, critica. Marcos foca em outro ponto, falando das dificuldades para conseguir atendimento médico no bairro.
“Os serviços de saúde já são complicados, são demorados e ainda acontecem assaltos nas unidades. Semana passada, levamos minha irmã, que está grávida e passou mal, ao posto, mas estava fechado porque tinha sido roubado”, conta. Os assaltos são frequentes no bairro e Patrick critica o aparente reforço no policiamento, mas que ainda não surtiu efeito. “Para mim, o que mais representa a desigualdade social é o fato da malandragem comandar algumas áreas. Na minha rua tem polícia passando 24 horas, várias viaturas circulando, mas a ação dos bandidos não diminui”, observa.
Os três adolescentes comentam que a falta de perspectiva é uma grande armadilha e que percebem isso ao conversarem com colegas e vizinhos e notarem a dinâmica do lugar onde estão inseridos. “Alguns amigos ficaram presos na criminalidade ou no tráfico porque não buscaram outros caminhos, acham mais fácil ganhar dinheiro dessa forma. Mas, na verdade, tem muitas possibilidades”, reforça Danúbia. Ela e Marcos já terminaram um curso de informática, que conseguiram por meio do Pro Paz. Ela se prepara para iniciar um curso de auxiliar administrativa e para fazer o teste do time de futebol da Escola Madre Celeste, que pode render uma bolsa de estudos.
Patrick descobriu uma paixão pela música no projeto e as aulas de percussão são as atividades preferidas dele, que pensa em se profissionalizar na área. “Quero fazer faculdade de música e também um curso na área de logística”, diz, mostrando que não pretende se limitar. Poder ampliar os horizontes é uma das vantagens mencionadas por eles sobre o Pro Paz, que também trouxe melhoria na saúde física e no desenvolvimento escolar. Ao todo, o polo Mangueirão atende cerca de 500 crianças e adolescentes, entre 8 e 18 anos, oferecendo as modalidades de atletismo, boxe, basquete, dança contemporânea, futsal, futebol de campo, caratê, capoeira, jiu-jítsu, matemática, leitura e informática.
A pedagoga Érica Johnston coordena o polo e acompanha a evolução não só dos meninos e meninas atendidas, mas também das famílias. “Trabalhamos com eles a cultura de paz e os valores, sempre perto da comunidade. Para muitos pais que trabalham fora o dia inteiro é importante saber que, no contraturno da escola, os filhos não estão ociosos na rua”, pontua. Ela avalia que a mudança de mentalidade e de visão é uma peça fundamental do projeto, uma vez que a equipe do polo orienta as famílias sobre vários direitos e estimulando o envolvimento dos filhos com as atividades desenvolvidas, mesmo fora do Pro Paz ou depois que eles completam 18 anos.
“É de grande importância a parceria que temos com diversas associações de moradores. Eles identificam crianças que podem ser atendidas e trazem para cá e nós também acompanhamos as demandas deles por emissão de documentos ou cadastro em benefício”, assegura. Os cursos profissionalizantes no Pro Paz nos Bairros são outras ferramentas de redução da desigualdade social,
fornecendo capacitação gratuita. Uma nova agenda será divulgada em março, de acordo com o presidente da Fundação Pro Paz, Jorge Bittencourt.
Ele frisa que a instituição atua em outras frentes e forma uma rede de articulação com órgãos públicos e movimentos sociais dos bairros. Desde o segundo semestre do ano passado, o Pro Paz nos Bairros começou a atender adultos das comunidades onde está inserido, contabilizando 1.200 alunos participando de hidroginástica, caminhadas, dança de salão, palestras e outras ações. “Acredito que a desigualdade está muito ligada à falta de oportunidades e queremos justamente oportunizar o acesso às politicas públicas existentes e construir juntos um novo caminhar, se preocupando primeiro com o resgate de valores nas famílias e nas comunidades. Se não plantarmos a semente no ambiente micro, não conseguiremos um resultado no macro”, acrescenta.
Como exemplo da parceria com projetos sociais independentes, Jorge cita o trabalho com o Terra Firme Esporte Clube para abrir vagas às crianças do bairro, assim como com a Associação Escolinha do Chuvisco, também voltada ao futebol, no Distrito Industrial. Atualmente, existem mais de 2.500 vagas nos cinco polos do projeto em funcionamento na Região Metropolitana de Belém (RMB): Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), Estádio Olímpico do Pará (Mangueirão), Praça Dorothy Stang (Sacramenta), e Instituto de Ensino em Segurança Pública do Estado (Iesp), em Marituba. Neste semestre, haverá ampliação do atendimento com novo polo a ser estabelecido no município de Ananindeua, no ginásio Abacatão.
Violência é muito mais do que um problema moral e ético, diz professor
Para o professor Reinaldo Nobre Pontes, altas taxas de desemprego e informalidade, associadas a uma educação de baixa qualidade e que exclui os mais vulneráveis são ingredientes que, se somados às desigualdades, propiciam a elevação da violência na forma de criminalidade. “A concentração de riqueza é a grande expressão da desigualdade. Para muitos, a violência parece espontânea ou como um problema moral e individual, mas não se resume a isso. O Brasil já é o quarto país que mais prende, tem aumentado cada vez mais seus gastos com segurança pública, mas a violência não diminui”, afirma.
Segundo ele, Belém é uma cidade paradoxal e desigual desde o início da sua ocupação. Esse processo deixou o que ele chama de “cicatrizes” na cidade. “Eu falo em cicatrizes porque é um cenário que pode ser visto do alto, com a cidade nitidamente cindida entre regiões mais aquinhoadas e outras mais empobrecidas”, detalha. O professor ressalta que este quadro se repete no mundo todo, pois se trata de um problema estrutural da sociedade.
Reinaldo enfatiza que uma mudança nesse modelo pode levar décadas e décadas para se desenvolver, além de passar por redução na desigualdade, por acesso a serviços essenciais básicos e geração de trabalho, abrindo outras possibilidades de distribuição de riqueza. “Aumentar policiais, vagas em presídios e cadeias não é a solução, embora seja necessário”, completa. É indispensável promover o debate em diferentes ambientes. “A violência pode acontecer na Terra Firme, mas o preconceito social não é uma violência? Assim como o preconceito racial e a homofobia? Não tem muito mais violência em roubar milhões da saúde, que está um caos, do que no roubo de um celular por um adolescente?”, questiona.
A discussão precisa ser feita, acredita ele, para que a violência deixe de ser enxergada meramente como um problema moral e ético. “Estes valores fazem parte, mas enquanto acreditarem que a pessoa é pobre e violenta porque quer, estaremos longe da solução. Temos que atacar nas frentes das políticas públicas, do conteúdo da educação na escola e da formação familiar”, complementa.
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