BRENDA PANTOJA
Da Redação
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Com o lixo orgânico produzido por uma família em um mês, seria possível incrementar consideravelmente as refeições e cozinhar tanto pratos nutritivos quanto sobremesas saborosas. O combate ao desperdício de alimentos é uma causa levada a sério por Cirlene Ferraz, 44, que chega a economizar até R$ 250 reais em uma semana, graças aos hábitos que aprendeu com a mãe, que precisava sustentar 14 filhos com poucos recursos. Em média, 41 mil toneladas de comida vão para o lixo todos os dias no Brasil, o que daria para alimentar 25 milhões de pessoas. O país é considerado um dos dez que mais desperdiçam comida em todo o mundo, com cerca de 30% da produção praticamente jogados fora na fase pós-colheita. Os dados são do Instituto Akatu e da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
A experiência de Cirlene com o reaproveitamento de alimentos vem desde a infância em uma região carente da Bahia. Hoje, ela divulga esse conhecimento nas oficinas que ministra através da organização não-governamental (ONG) Noolhar. “As oficinas são por demanda do público, então tem para comunidades da periferia, mas também tem para pessoas de maior poder aquisitivo. Eu percebo que o desperdício é um problema em todas as classes. Muita gente não gosta de usar cascas, talos e sobras de refeições”, observa. Nas mãos dela, casca de abacaxi vira doce, mamão verde é o ingrediente secreto de uma coxinha que se passa por bolinho de caranguejo e a casca de banana vira brigadeiro e até bife empanado.
“Em casa, o desperdício é quase zero. O que realmente não dá para aproveitar, vai pra compostagem e vira adubo orgânico para a minha hortinha, onde planto cheiro-verde e pimenta. Tenho uma satisfação muito grande em promover uma alimentação saudável e sustentável”, comenta. As partes das frutas e hortaliças desprezadas pelos consumidores, assim como os alimentos que não vão para as prateleiras dos supermercados e feiras por estarem com a aparência feia, fazem muita diferença para a parcela da população que vive em insegurança alimentar.
Um bom exemplo é a Casa da Sopa (Amidifae), no bairro do Guamá, que serve até 1.500 pratos por dia para moradores de rua e famílias carentes. O trabalho é realizado há 12 anos e conta com muitos parceiros para poder funcionar de segunda a sexta, recebendo quase 200 pessoas diariamente. Um dos apoiadores é o programa Mesa Brasil do Serviço Social do Comércio (Sesc-PA), que fornece mais de uma tonelada de alimentos todo mês para a Casa. As verduras e legumes, um pouco murchas ou com a casca batida que não interessam aos vendedores, pois não são escolhidas pelos consumidores, são aceitas de bom grado na entidade e vão direto para panelões e mais panelões de sopa.
“Tudo de comida que chega aqui, sai muito rápido. No máximo, em dois dias. Os nossos voluntários da cozinha passaram por treinamentos com o Mesa Brasil e sabem usar o máximo dos alimentos, a melhor forma de armazenar... O mais gratificante é saber que toda essa comida que seria jogada fora teve outro destino e nós ajudamos a garantir o que, para muitos, é a única refeição do dia”, afirma Izabel Malheiros, que coordena o espaço. Além da Casa, o Mesa Brasil ajuda mais 73 entidades na capital paraense. Em todo o Estado, são 181 instituições beneficiadas, graças ao apoio de 185 doadores.
A previsão inicial do programa era arrecadar 868 mil quilos em 2015, no Pará, mas a meta já foi ultrapassada e está em 950 mil quilos, de acordo com a coordenadora Arlete Saldanha. Segundo ela, o foco é receber os alimentos que não têm mais valor de mercado, mas ainda podem ser utilizados na complementação de refeições. A coleta e distribuição são feitas diariamente, além da realização de ações educativas que seguem um calendário com as instituições envolvidas. Camila Aguiar, nutricionista do programa, reforça a importância de praticar o aproveitamento integral de alimentos. “Cascas, que fatalmente seriam jogadas no lixo, podem ser usadas na produção de bolos e geleias. As sementes e talos, para fazer farofas e muitas outras opções”, frisa.
OFICINAS
A exemplo do trabalho de multiplicadora exercido por Cirlene, as oficinas promovidas pelo Mesa Brasil também estimulam, por meio de parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a adesão das instituições ao processo de compostagem. “Assim, podemos aproveitar até o miolo da maçã, por exemplo”, completa Arlete. Apesar do Brasil ainda precisar avançar muito em relação ao consumo consciente, pois os dados mostram que o desperdício na cadeia produtiva e nos lares é grande, Arlete percebe que a mentalidade dos empresários está mudando.
Em 15 anos de existência, o programa conquista cada vez mais parceiros e, inclusive, tem estabelecimentos que se comprometem a doar não somente aquilo que seria desperdiçado, mas contribuem com um carregamento de mercadorias em perfeito estado. “A questão da responsabilidade social tem sido mais cobrada pela mídia e pelos clientes. O desperdício também tem um impacto ambiental e sai caro para o bolso dos empresários. É uma saída inteligente achar meios de reduzir seus custos e ainda beneficiar a comunidade local”, pontua.
Programa começa evitando as perdas entre a produção e o transporte
De acordo com a nutricionista Camila Aguiar, a atuação do programa começa com os varejistas, pois há muita perda desde a produção até o transporte. Essa primeira parte é realizada nas Centrais de Abastecimento do Pará (Ceasa), onde uma equipe do Mesa Brasil vai diariamente coletar os alimentos. Em um lugar onde o volume de comercialização atingiu a expressiva marca de 22,5 mil toneladas, a média de 3% de desperdício mensal pode parecer pequena. No entanto, representa cerca de 675 toneladas. A presidente da Ceasa, Bianca Piedade, assegura que o governo do Estado está avançando na implementação do Banco de Alimentos.
“Com esse projeto, a Ceasa vai se firmar como um polo para absorver essa demanda de alimentos da Região Metropolitana de Belém. O Banco será instalado em parceria com a Seaster [Secretaria de Estado de Assistência Social, Trabalho, Emprego e Renda], que tem todo um programa na área de segurança alimentar. Eles que irão coordenar esse trabalho de doações e o atendimento aos que estão em situação de vulnerabilidade alimentar”, adianta. O recurso de R$ 1,5 milhão do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome para o Banco de Alimentos já foi anunciado pelo governo estadual há mais de um ano. A Seaster está na fase de processo licitatório para elaboração do projeto.
Enquanto o Banco não sai do papel, a Ceasa tem cadastradas 214 famílias e 20 entidades, que vão diariamente coletar alimentos. Bianca ressalta que a Ceasa promove outras ações, como os projetos “Alimentando Vidas” e “Culinária Sustentável” para reduzir o desperdício. “A nossa ideia é que, em 2016, o Alimentando Vidas funcione de forma similar ao Mesa Brasil, mas em escala menor. Os participantes também recebem formações, podendo fazer da culinária uma fonte de renda”, acrescenta. Ela também acredita que a aprovação do Plano Nacional de Abastecimento de Hortifrutiflorigranjeiros (PLANHORT), que está em tramitação no Senado, vai ajudar a combater o desperdício nas Ceasas de todo o país.
“Sem sombra de dúvidas, toda a cadeia precisa ser aperfeiçoada. O nosso clima é um fator a ser considerado, pois contribui muito para que o produto perecível tenha uma perda nutritiva mais rapidamente. Além da infraestrutura, é necessário definir as normas técnicas e o plano nacional virá justamente para nos dar subsídios e respaldos”, defende.
LOGÍSTICA
A logística do abastecimento é um dos maiores obstáculos na Região Norte, enfatiza Patrícia Gonçalves, coordenadora da ONG Noolhar. “Por não sermos produtores de muita coisa - 70% da nossa produção vem de fora - a perda é grande pela dificuldade de logística e distância. Isso esbarra em questões maiores, como a condição de estradas, e em questões culturais, como a importância de priorizar consumo de produtos locais”, destaca.
Programar a compra com atenção antes de ir ao supermercado também é um dos fatores importantes e simples de serem cumpridos, mas que tem grande impacto no volume de lixo produzido por uma família. Para Patrícia, o consumo consciente é a chave de uma alimentação mais sustentável em casa. “É preciso pensar em uma escala maior: quando desperdiço umas frutas, desperdiço a água usada no cultivo, o combustível do transporte. Considero o desperdício em grandes proporções como um crime contra a humanidade, pela quantidade de pessoas passando fome”, argumenta.
A reflexão, segundo Patrícia, também é válida na realização de eventos. “É preciso incentivar a realização de eventos sustentáveis, começando por questionar a produtora de eventos ou o buffet contratado sobre a preocupação com o planejamento e a sobra das refeições, a exemplo do que a ONG faz”, exemplifica.
Para o dia-a-dia, ela simplifica: a principal preocupação da família precisa ser não desperdiçar o que ainda é nutritivo. “É importante lembrar que reaproveitamento não se trata de comer o que não presta, e por isso iria para o lixo, mas sim de não jogar fora o que ainda pode ser consumido”, resume.
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