sexta-feira, 11 de março de 2016

O reverso do revirado*



Uma edição antiga e gasta, sem a capa e com um cheiro forte de cigarro. Foi assim que "O Gênio do Crime" chegou às minhas mãos pela primeira vez, aos 10 anos de idade. Veio emprestado de uma amiga da minha mãe, que fez questão de receber o livro de volta. Hoje eu entendo o apego dela à obra, porque eu mesma não sosseguei até comprar o meu próprio volume e depois a coleção inteira do escritor João Carlos Marinho. Até os empresto, mas só fico tranquila quando eles retornam para mim.
      "O Gênio do Crime" é a primeira aventura da Turma do Gordo e, ao todo, já foram publicados 13 livros com os mistérios e as façanhas do Bolachão (também conhecido como Gordo), a Berenice, o Edmundo, o Pituca, o Godofredo, a Sílvia, o mordomo Abreu, o frade João e muitos outros personagens. Os títulos da Turma do Gordo me acompanharam também na adolescência, passaram pelas mãos do meu irmão mais novo e de alguns amigos que pegaram o gosto pela leitura por causa da coleção. Foi lançado em 1969 e tornou-se um clássico da literatura infantojuvenil, tendo ultrapassado a marca de 70 edições. Na sequência, "Sangue Fresco" (um dos meus preferidos!) recebeu o Prêmio Jabuti, o Grande Prêmio de Literatura Juvenil da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) e foi considerado Altamente Recomendável para o Jovem pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). 
      Sendo assim, quase 10 anos atrás, movida pela curiosidade, enviei um e-mail ao autor pelo site da editora e iniciamos uma correspondência periódica que se mantém até hoje. Ainda estava na escola, mas o instinto do jornalismo era mais forte e fiz uma espécie de entrevista com o "caro João Carlos" (era como começavam a maioria das minhas mensagens) ao longo de vários e-mails. Perguntei sobre o processo de escrita, de edição, linguagem, construção de personagens e a carreira de escritor. Infelizmente, pela falha de confiar cegamente na tecnologia, perdi as perguntas que elaborei, mas consegui resgatar as respostas enviadas por ele, que autorizou a reprodução delas aqui no blog. Eu acredito que a nossa conversa se iniciou em 2006 ou 2007, não tenho certeza. 
     Logo na primeira mensagem, contei a ele uma história inusitada que passei com um de seus livros. "O Caneco de Prata" é apresentado pelo próprio João Carlos Marinho como uma "aventura surrealista". Com essa proposta, a paginação e a numeração dos capítulos são diferentes do usual. Aquilo me intrigou muito, tanto que cismei que precisava voltar à livraria para trocar a edição. Só acreditei que estava tudo certo depois que liguei para o vendedor, que era meu conhecido, e pedi para ele comparar com outros exemplares. A resposta do escritor não demorou a vir: 
JCM: Você é uma leitora entusiasmada, pelo jeito de escrever eu sinto. Muito engraçado o que aconteceu entre você e o Caneco. O Caneco é assim mesmo, hiperloucura. Desconcentra, baratina (...) Eu conheço Belém, é uma cidade muito linda, cheia de mangueiras na praça.
    Achei aquilo o máximo! Fiquei empolgada por poder conversar com alguém tão admirado. Tirei uma dúvida com ele sobre a idade do Gordo, que continua com 10 anos mesmo tendo ido e voltado ao espaço nos livros O Disco I e II, pois o autor resolveu aplicar a equação de Einstein sobre a relatividade do tempo e mantendo, assim, essa fase gostosa da infância da turma. Aí eu questionei sobre os vilões, queria saber qual era o preferido dele.
JCM: Que bom que você gosta do Zé-folha. Ele é um rei de alta categoria apesar de ter dado uma dentada na orelha da Berenice. Os grandes vilões, aqueles absolutamente perversos e monstruosos, são, se a memória não me falha: o anão do Gênio do Crime, Ship O'Connors, Papoulos Scripopulos, o Conde Futreson, o doutor Sovograu (do Disco II- A Catástrofe do Planeta Ebulidor) e o Chefe (do Gordo contra os Pedófilos).Tem ainda o "alemão nazista" do Caneco de Prata. Eu gosto muito, e até me identifico, pois fui absolutamente fanático por futebol, com o Prof. Giovanni, ele é um vilão, mas não está entre aqueles "repulsivos". Pelo contrário, ele é humano e engraçado e até não deixou o alemão nazista colocar vírus do câncer na bomba bacteriológica. Dos repulsivos fica difícil escolher. O Conde Futreson é ótimo, mas em parte eu tomei emprestado do Drácula que já existia, talvez o Ship seja o mais humano, mas acho que a frieza absoluta e a grande classe para ser mau do anão acaba ganhando. Sua pergunta é difícil.
     Os meus vilões prediletos eram o professor Giovanni, o Ship O'Connors (particularmente prefiro o apelido Shipo Croma) e o Kuntz, que aparece em "O Livro da Berenice". João Carlos aprovou minhas escolhas, mas fez uma ressalva:
JCM: O Kuntz é bom também, fez uma confusão, o gordo tirou a orelha dele pensando que era do Abreu, mas o Kuntz pode ser classificado na categoria dos "vilões secundários, empregados do vilão principal", como são o Atlas, o Almeidinha, aqueles médicos alemães que tiram sangue do gordo no acampamento da Amazônia, etc. Eu tenho um certo jeito para fazer "homens maus", sem eles os meus livros seriam menos emocionantes e menos engraçados. Quem tem aparecido muito nas últimas histórias, como gente boa, é a mãe do gordo , a dona Belinha e o doutor Paixão. A mãe do gordo, depois de "Catástrofe", está tendo uma participação especial,o pai também. A velha dona Belinha está cada vez mais irresistível. 
     Aproveitei a deixa dele e perguntei sobre a mudança gradativa na participação e na personalidade da mãe do Gordo. Foi quando ele revelou uma das poucas - se não a única - modificações estruturais que fez nas histórias. Também devo ter comentado algo sobre o namoro do Bolacha com a Berê, pois ele responde que "romance na idade de dez anos tem que ser superficial, inclusive a Berenice só continua a ser inconstante até o Berenice Detetive, onde ela namora o Anderson, agora quietou".
JCM: A mãe do gordo implicou com a Berenice até o Livro da Berenice, que está saindo na edição nova e eu tirei as implicâncias. É porque a mãe do gordo estava "fora" da turma. Como ela foi entrando na turma e participando nas aventuras com heroísmo até, decisivamente até, não tinha cabimento continuar contra a Berenice. Isso é um capitulo apagado, de verdade, porque eu apaguei. Quem continua implicando com todo mundo é o Abreu, mas isso é personalidade dele, que é boa pessoa, as crianças gostam dele.
     O restante das informações vai ficar para uma "parte dois" porque esse post já está muito grande. Decidi compartilhar as mensagens que trocamos pelo carinho que tenho por toda a obra do João Carlos Marinho. Eu já gostava de ler quando conheci o trabalho dele, mas a coleção foi como um sopro de vivacidade para aquela jovem leitora. Não costumava rir sonoramente durante minhas leituras, mas com a Turma do Gordo eu gargalhava e me divirto até hoje quando revisito as páginas.

     No próximo texto, as respostas do escritor sobre arrependimentos, suas memórias de Belém do Pará, os prêmios, os diálogos maravilhosos da Turma do Gordo e os convites afetuosos para a Bienal do Livro, em São Paulo. 

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Mais informações sobre a obra e a vida de João Carlos Marinho estão disponíveis no site www.globaleditora.com.br/joaocarlosmarinho. A página traz, ainda, vídeos muito interessantes em que ele explica o trabalho de pesquisa, a história por trás da produção, além de registros de eventos com os leitores. 

*Fazer "o reverso do revirado" depois de "seguir ao avesso" o cambista é a ideia brilhante do Gordo para investigar o mistério da falsificação das figurinhas em "O Gênio do Crime"

17 comentários:

  1. Adorei o post, também sou fã do João, guardo com muito carinho toda a coleção dele. Ele é sempre atencioso com quem entra em contato, acho isso muito importante em um escritor. Abraço

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    1. Obrigada! Essa é uma característica maravilhosa dele mesmo, acho muito legal quando ele compartilha no Facebook as escolas que o visitam para falar dos livros. São coisas que marcam os pequenos leitores.

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  2. Também gostei muito!!! O primeiro que li foi Sangue Fresco pra escola em 1984. E a partir daí tenho todos. Até o mais recente que comprei em dezembro de 2015. E olha que tenho 42 anos..rsrsrsr.. Mas ainda adoro ler as aventuras da turma do gordo!

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    1. "Sangue Fresco" é um dos meus livros preferidos! Só falta mesmo o "Fantasma da Alameda Santos" para completar a coleção. Ainda não achei na minha cidade, vou ter que comprar pela internet. Tenho 23 anos e também ainda gosto muito de ler as aventuras da turma. Sempre indico para filhos e filhas de amigos e é certeiro, eles curtem muito.

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  3. Excelente post, e muito boas considerações (suas e dele) sobre as personagens! Fico feliz de ter o livro com a implicância da mãe do gordo...

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    1. Muito obrigada, Filipe. Ainda faltou colocar umas coisas legais que conversamos, mas achei que ia ficar muito grande. Ele é ótimo, não é a toa que os livros estão aí, passando das mãos de pais para filhos e continuam fazendo sucesso.

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  4. Amei o texto e veio à memória toda a alegria que vinha dos olhos de uma leitora tão especial pra mim.

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  5. Gostei muito do post. Fiquei com vontade de conhecer mais sobre Turma do Gordo.
    O que mais me chamou a atenção foi o teu laço com a literatura e o carinho do autor também. Muito bonito. É inspirador.
    Vou ser sempre tua fã! Abraço.

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  6. Que texto gostoso de se ler!
    Tenho enorme apreço por João Carlos Marinho, grande escritor e ótima pessoa. Muito acessível e atencioso com seus leitores.
    Conheci a Turma do Gordo na década de 1980 e me apaixonei. Assim que minha filha começou a ler, fiz questão de ler com ela as histórias. Todas as noites lia um pedacinho, o difícil era fechar o livro e ir dormir. A vontade era ler o livro todo, de uma vez!
    Parabéns pela sua história.

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    1. Oi Fábia, obrigada pelo comentário! Realmente, esse diálogo que ele tem com os leitores é maravilhoso. Ainda não tenho filhos, mas quando eles vierem terei o maior prazer em apresentar-lhes a coleção! Abraço (:

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    2. Estive com ele no dia 13 e você foi um dos temas de nossa conversa.
      Um grande abraço.

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    3. Sério? Geeeente, que bacana! hahahah Ainda não me acostumei com isso!
      Que bom que hoje, com a tecnologia, podemos ter essa proximidade com pessoas tão queridas.
      E claro, ele abrir esse canal com os leitores também é maravilhoso.

      Abraço!

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  7. Adorei ler esse carinho seu pelo escritor. Dá vontade de ler de novo pra conferir os comentários que vcs dois fazem nos posts.

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    1. Oi, Izabel, obrigada!
      Decidi tornar público justamente por esse carinho, por ser uma troca que é tão
      especial pra mim e com um escritor de grande importância para a literatura infantojuvenil
      brasileira. Achei que seria legal ter, nesse vasto mundo que é a internet, mais conteúdo sobre o João Carlos e sua obra.
      Sei que meu blog não tem grande visibilidade, mas é o espaço onde compartilho minha produção com os amigos.
      Ainda tem umas mensagens bem legais dele que vou postar na semana que vem.
      Obrigada pela visita :*

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  8. Gostaria de saber qual é o plano "o reverso do revirado"criado por bolacha

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  9. Respostas
    1. Oi meninas! Obrigada pelo comentário! No livro "O Gênio do Crime", o Gordo e os amigos decidem seguir um dos vilões ao avesso, ou seja: não querem descobrir para onde ele vai, mas de onde vem. Só depois é que fazem o "reverso do revirado" para desvendar o mistério. Não sei se expliquei direito, é que a mente do Gordo é imbatível mesmo, dá pra entender melhor lendo a obra. Aliás, postei a parte dois desse texto aqui no blog (: Abraços!

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