"O Gênio do Crime" é a primeira aventura da Turma do Gordo e, ao todo, já foram publicados 13 livros com os mistérios e as façanhas do Bolachão (também conhecido como Gordo), a Berenice, o Edmundo, o Pituca, o Godofredo, a Sílvia, o mordomo Abreu, o frade João e muitos outros personagens. Os títulos da Turma do Gordo me acompanharam também na adolescência, passaram pelas mãos do meu irmão mais novo e de alguns amigos que pegaram o gosto pela leitura por causa da coleção. Foi lançado em 1969 e tornou-se um clássico da literatura infantojuvenil, tendo ultrapassado a marca de 70 edições. Na sequência, "Sangue Fresco" (um dos meus preferidos!) recebeu o Prêmio Jabuti, o Grande Prêmio de Literatura Juvenil da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) e foi considerado Altamente Recomendável para o Jovem pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ).
Sendo assim, quase 10 anos atrás, movida pela curiosidade, enviei um e-mail ao autor pelo site da editora e iniciamos uma correspondência periódica que se mantém até hoje. Ainda estava na escola, mas o instinto do jornalismo era mais forte e fiz uma espécie de entrevista com o "caro João Carlos" (era como começavam a maioria das minhas mensagens) ao longo de vários e-mails. Perguntei sobre o processo de escrita, de edição, linguagem, construção de personagens e a carreira de escritor. Infelizmente, pela falha de confiar cegamente na tecnologia, perdi as perguntas que elaborei, mas consegui resgatar as respostas enviadas por ele, que autorizou a reprodução delas aqui no blog. Eu acredito que a nossa conversa se iniciou em 2006 ou 2007, não tenho certeza.
Logo na primeira mensagem, contei a ele uma história inusitada que passei com um de seus livros. "O Caneco de Prata" é apresentado pelo próprio João Carlos Marinho como uma "aventura surrealista". Com essa proposta, a paginação e a numeração dos capítulos são diferentes do usual. Aquilo me intrigou muito, tanto que cismei que precisava voltar à livraria para trocar a edição. Só acreditei que estava tudo certo depois que liguei para o vendedor, que era meu conhecido, e pedi para ele comparar com outros exemplares. A resposta do escritor não demorou a vir:
JCM: Você é uma leitora entusiasmada, pelo jeito de escrever eu sinto. Muito engraçado o que aconteceu entre você e o Caneco. O Caneco é assim mesmo, hiperloucura. Desconcentra, baratina (...) Eu conheço Belém, é uma cidade muito linda, cheia de mangueiras na praça.
Achei aquilo o máximo! Fiquei empolgada por poder conversar com alguém tão admirado. Tirei uma dúvida com ele sobre a idade do Gordo, que continua com 10 anos mesmo tendo ido e voltado ao espaço nos livros O Disco I e II, pois o autor resolveu aplicar a equação de Einstein sobre a relatividade do tempo e mantendo, assim, essa fase gostosa da infância da turma. Aí eu questionei sobre os vilões, queria saber qual era o preferido dele.
JCM: Que bom que você gosta do Zé-folha. Ele é um rei de alta categoria apesar de ter dado uma dentada na orelha da Berenice. Os grandes vilões, aqueles absolutamente perversos e monstruosos, são, se a memória não me falha: o anão do Gênio do Crime, Ship O'Connors, Papoulos Scripopulos, o Conde Futreson, o doutor Sovograu (do Disco II- A Catástrofe do Planeta Ebulidor) e o Chefe (do Gordo contra os Pedófilos).Tem ainda o "alemão nazista" do Caneco de Prata. Eu gosto muito, e até me identifico, pois fui absolutamente fanático por futebol, com o Prof. Giovanni, ele é um vilão, mas não está entre aqueles "repulsivos". Pelo contrário, ele é humano e engraçado e até não deixou o alemão nazista colocar vírus do câncer na bomba bacteriológica. Dos repulsivos fica difícil escolher. O Conde Futreson é ótimo, mas em parte eu tomei emprestado do Drácula que já existia, talvez o Ship seja o mais humano, mas acho que a frieza absoluta e a grande classe para ser mau do anão acaba ganhando. Sua pergunta é difícil.Os meus vilões prediletos eram o professor Giovanni, o Ship O'Connors (particularmente prefiro o apelido Shipo Croma) e o Kuntz, que aparece em "O Livro da Berenice". João Carlos aprovou minhas escolhas, mas fez uma ressalva:
JCM: O Kuntz é bom também, fez uma confusão, o gordo tirou a orelha dele pensando que era do Abreu, mas o Kuntz pode ser classificado na categoria dos "vilões secundários, empregados do vilão principal", como são o Atlas, o Almeidinha, aqueles médicos alemães que tiram sangue do gordo no acampamento da Amazônia, etc. Eu tenho um certo jeito para fazer "homens maus", sem eles os meus livros seriam menos emocionantes e menos engraçados. Quem tem aparecido muito nas últimas histórias, como gente boa, é a mãe do gordo , a dona Belinha e o doutor Paixão. A mãe do gordo, depois de "Catástrofe", está tendo uma participação especial,o pai também. A velha dona Belinha está cada vez mais irresistível.
Aproveitei a deixa dele e perguntei sobre a mudança gradativa na participação e na personalidade da mãe do Gordo. Foi quando ele revelou uma das poucas - se não a única - modificações estruturais que fez nas histórias. Também devo ter comentado algo sobre o namoro do Bolacha com a Berê, pois ele responde que "romance na idade de dez anos tem que ser superficial, inclusive a Berenice só continua a ser inconstante até o Berenice Detetive, onde ela namora o Anderson, agora quietou".
JCM: A mãe do gordo implicou com a Berenice até o Livro da Berenice, que está saindo na edição nova e eu tirei as implicâncias. É porque a mãe do gordo estava "fora" da turma. Como ela foi entrando na turma e participando nas aventuras com heroísmo até, decisivamente até, não tinha cabimento continuar contra a Berenice. Isso é um capitulo apagado, de verdade, porque eu apaguei. Quem continua implicando com todo mundo é o Abreu, mas isso é personalidade dele, que é boa pessoa, as crianças gostam dele.
O restante das informações vai ficar para uma "parte dois" porque esse post já está muito grande. Decidi compartilhar as mensagens que trocamos pelo carinho que tenho por toda a obra do João Carlos Marinho. Eu já gostava de ler quando conheci o trabalho dele, mas a coleção foi como um sopro de vivacidade para aquela jovem leitora. Não costumava rir sonoramente durante minhas leituras, mas com a Turma do Gordo eu gargalhava e me divirto até hoje quando revisito as páginas.
No próximo texto, as respostas do escritor sobre arrependimentos, suas memórias de Belém do Pará, os prêmios, os diálogos maravilhosos da Turma do Gordo e os convites afetuosos para a Bienal do Livro, em São Paulo.
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*Fazer "o reverso do revirado" depois de "seguir ao avesso" o cambista é a ideia brilhante do Gordo para investigar o mistério da falsificação das figurinhas em "O Gênio do Crime"