*Publicado no jornal O LIBERAL de 09/09/2013
BRENDA PANTOJA
Da Redação
Aproximadamente 250 mil fiéis lotaram as
ruas de Vigia, ontem, para participar do Círio de Nazaré, que chegou à 316ª
edição e é considerado o círio mais antigo do Pará. A diretoria da festa
calcula que cerca de 300 mil pessoas circularam pela cidade durante os três
dias de festividade, que teve como tema “Pela fé, como Jesus e Maria, sejamos
obedientes ao Pai”. História e devoção se unem à tradição da romaria, que
cresce a cada ano, mas mantém algumas raízes da simplicidade de sua origem. Uma
delas é o Carro dos Fogos, que é puxado por um búfalo e abre a procissão com
queima de fogos; o Anjo do Brasil, uma garota vestindo as cores da pátria e carregando a bandeira
brasileira; e ainda a apresentação de bandas de música locais.
A programação iniciou-se com uma missa
às 6 horas da manhã na Igreja de São Sebastião, no bairro de Arapiranga, ponto
de partida da romaria. A igreja tem capacidade para 400 pessoas e ficou
completamente lotada. “Para acomodar melhor o número cada vez maior de devotos estamos
fazendo uma reforma de ampliação. No entanto, a obra ainda não tem previsão de
conclusão, pois depende dos recursos arrecadados pela paróquia”, ressaltou o
pároco José Carlos Silva da Cruz, que celebrou a missa. É o primeiro ano em que
o padre participa da organização e diz que se sentiu honrado com a
responsabilidade de ajudar a promover uma festa dessa importância para a cidade
e para o estado.
A
saída da imagem atrasou e ocorreu às 9 horas, mas não comprometeu o cronograma,
que foi cumprido com a chegada da imagem na Igreja Matriz às 11h45. Logo em
seguida iniciou-se a celebração da missa festiva que encerrou as atividades de ontem.
Por onde passava Nossa Senhora de Nazaré era saudada com orações e emocionava
os devotos. Mutios choravam. A imagem estava envolta em um manto em tons de branco,
azul e dourado e abrigada na berlinda decorada com rosas vermelhas.
A
coordenadora geral do Círio, Licely Magalhães, citou o novo carro que conduz o
andor. “O veículo antigo foi trocado por estar danificado e para evitar que comprometesse
o andamento do cortejo, pois o Círio é composto de cinco estações além da berlinda”,
contou. A romaria tem ainda as barcas de São João, São Pedro e São José, que
levam as crianças vestidas de marinheiros, a barca dos Milagres, que recolhe os
votos atendidos dos promesseiros e o
Carro dos Anjos. O percurso foi de quase quatro quilômetros e 400 metros de
corda foram levadas pelos romeiros até o final, quando ela foi cortada e repartida
entre os fiéis.
***
A
Polícia Militar não registrou nenhuma ocorrência, segundo o major França do 12º
Batalhão. “Nós disponibilizamos 50 policiais para a procissão, além do apoio de
outras guarnições”, informou. Ao todo, o efetivo foi de 100 policiais, além dos
300 agentes da Guarda da Santa. No decorrer da procissão, 12 pessoas foram atendidas
por desmaio e duas por arritmia cardíaca, de acordo com o comandante Pinheiros do
Corpo de Bombeiros, que trabalhou com 20 militares e teve com a colaboração de
20 voluntários da Cruz Vermelha. “Muitas pessoas vem sem a alimentação
adequada, que deve ser reforçada principalmente para quem vai na corda. O forte
calor e a falta de hidratação também contribuem
para o
acometimento de mal súbito”, explicou.
O
autônomo Antenor Moraes, 48, tomou todos os cuidados necessários para acompanhar
a romaria na corda e cumprir a promessa em agradecimento ao reestabelecimento da
sua saúde. Há três anos ele começou a sentir pontadas no peito, mas nenhum
exame diagnosticava o problema, até que resolveu pedir a cura a Nossa Senhora e
as dores passaram. “O círio já tinha um significado especial, mas na corda é
mais emocionante, mais gratificante, pois fortalece a fé”, afirmou. Logo no
início da procissão, o tempo fechou por alguns minutos e ameaçou chover, mas a
multidão só aumentava a cada trecho e a partir da metade da procissão o clima
voltou a esquentar, fazendo as pessoas seguirem com sombrinhas e leques para se
protegerem do sol e do calor.
***
Os
devotos iniciaram a caminhada na rua São
Sebastião e seguiram para a avenida Santana de Medeiros, avenida Barão de
Guajará, travessa Vilhena Alves, rua Nazaré, travessa Hilário Cardoso e a
avenida professora Noêmia Belém, para chegar à Igreja Matriz. Em todas as vias
as janelas das casas estavam abertas e as fachadas decoradas para homenagear a
santa. Faixas, flores, balões e berlindas coloriram as ruas centenárias de
Vigia e simbolizaram o carinho da população a Nossa Senhora. A ornamentação especial
para a ocasião faz parte da comemoração na família da professora Celeste Barbosa,
68. De cada lado do portão ela posicionou duas réplicas em tamanho menor da berlinda
com a imagem, cercada de adornos. “Todo Círio a casa é enfeitada para
acompanharmos a passagem da santa e depois acontece reunião em família para, em
média, 50 pessoas”, disse.
Para
ela, que é historiadora e devota, o Círio de Vigia é duplamente importante. “A
relação de fé da população daqui é ainda mais antiga que em Belém, e já era
expressada antes mesmo das romarias serem nomeadas de Círio. A cidade de Vigia é mariana e essa
essência passa de geração em geração sem
se perder, pelo contrário, só se multiplica”, observou. A professora reforçou a
mensagem transmitida durante a festa religiosa, que ”consiste em promover um momento
de reflexão individual, mas sem esquecer o amor ao próximo”.
A adolescente Dayane Nunes, 17,
participou do percurso pela primeira vez e estreou de uma forma muito bonita: tocando
saxofone na Banda Sinfônica Maestro Vale, uma das que acompanha a romaria. “Futuramente
tenho vontade de ir na corda, mas só tocar em honra a Nossa Senhora já é um
grande privilégio”, comentou animada. Ela está em ano de vestibular,
pretendendo ingressar no curso de Música, e aproveitou para pedir a aprovação
no processo seletivo, com a promessa de continuar acompanhando a procissão
daqui para frente. “Foi um mês de ensaio puxado, mas deu para conciliar com os
estudos e o esforço de tocar durante todo o trajeto vale a pena, é um jeito de
ser grata à santa”, completou.
Esta edição do Círio também foi
marcante para a lavradora Nair de Sousa, 53. Os braços levantados e a maquete de uma casa em cima da cabeça
simbolizam a compra da casa própria, uma vitória esperada há muito tempo. “Sou
bragantina e frequentava o Círio de lá, mas há oito anos me mudei para cá e
participo sempre, pois a devoção é a mesma em qualquer lugar”, declarou. Para
ela, o sentimento é uma mistura de felicidade, orgulho e devoção por poder
cumprir uma promessa feita há muito tempo.
Na família da agricultora Maria
Gracinete Paes, 32, a devoção foi compartilhada. No ano passado, o filho mais velho dela sofreu um acidente e precisava
fazer duas cirurgias. “Foi quando a minha caçula ficou muito preocupada e prometeu
à Nossa Senhora que se ele ficasse bom rapidamente ela iria como anjinho no
próximo Círio”, complementa a mãe. O pedido foi atendido e o Lucas, de 14 anos,
teve uma recuperação ótima sem necessidade da segunda operação. A pequena
Lívia, 6, honrou a promessa e participou do Carro dos Anjos, acompanhada de perto
da mãe e do irmão.
Andrey Miguel, de apenas 4 anos,
acompanhou o Círio pela primeira vez e de maneira especial. Ele e mais dois
primos estavam no carro dos marujos, com roupas de marinheiros. “Eu e minha
irmã decidimos colocá-los para participar no carro em agradecimento ao ano
passado, em que muitas bênçãos foram recebidas”, justifica a mãe dele, a
autônoma Andréa Torres, 30. É também a primeira vez que a família faz o trajeto
toda junta e ela acredita que a experiência será positiva para as crianças. “É
importante para que eles aprendam desde cedo o valor da fé e se tornem pessoas
de bem. O Andrey até participa do catecismo mirim em uma paróquia daqui. Sem falar
que eles se divertem”, brincou, apontando para os meninos que riam em cima do
carro.
***
O Círio de Vigia atrai devotos de
outras localidades que vão a Vigia louvar Nossa Senhora de Nazaré, como é o
caso da funcionária pública Lucimir Lira, de 51 anos. Ela é moradora de
Mosqueiro e acompanha a procissão no município há sete anos. “Antes tinha o
costume de participar da romaria de Nossa Senhora do Ó (realizado no distrito) e
do Círio em Belém, mas vi no Círio daqui uma oportunidade a mais de agradecer
as graças recebidas na família. A festa aqui também é muito bonita”, elogiou.
Ela foi para Vigia com um grupo de 30 pessoas, entre parentes e amigos, e
alugou uma casa para poder aproveitar bem todos os dias da festa.
A
professora Ana Pantoja, 63, apesar de ser natural de Vigia, só acompanhou o
Círio até os 18 anos de idade, quando se mudou para a capital paraense. Com
saudade da festividade, ela voltou a frequentar o Círio na terra de origem
desde o ano passado. “Quando saí daqui, a festa já era grande e tradicional,
mas desde então a fé da população tem crescido e agregado mais valor ainda ao Círio”,
observou.
***
O
Círio também é oportunidade de trabalho para muitas pessoas, principalmente
camelôs. O ambulante Assis Ferreira, 48, se deslocou de Belém para a cidade
para vender toalhinhas decoradas especialmente para a festividade. “Trouxe mil
unidades que começaram a ser confeccionadas em maio, com a ajuda da minha
esposa e filho”, relatou. Apesar do esforço para vender toda a mercadoria nos
três dias do evento, ele disse que sempre sobram cerca de 50 unidades e que ao
acompanhar a procissão trabalhando, é impossível não se comover. “Aproveito
para agradecer pela saúde da minha família, pela disposição para batalhar pelo meu
sustento”, acrescenta ele, que costuma viajar para as maiores romarias do Pará vendendo as toalhas.
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