sábado, 27 de fevereiro de 2016

Aprendizagem nas trilhas do imaginário amazônico

*Publicado na revista Amazônia Viva, nº 21, maio/2013 
  
O contato direto com a natureza tem muito a ensinar sobre sustentabilidade, somado ao tradicional diálogo em sala de aula. Encontrar o Curupira - mesmo que de mentirinha - falando sobre preservação ou uma atriz que interpreta uma guerreira amazona combatendo os crimes ambientais desperta os alunos para a realidade da floresta Amazônica. Para proporcionar um aprendizado cultural e ambiental, o presidente da ONG Instituto Ariri Vivo, Uirá Pinheiro, desenvolveu um projeto que tira os estudantes de entre as quatro paredes e os leva para a floresta, em uma trilha interativa. O Arte na Trilha segue a linha do "eduentretenimento", que pretende instruir de forma lúdica e para isso promove combinações como teatro e ciências, música e desenvolvimento sustentável, artes plásticas e ecologia.

O projeto está na primeira edição, que começou em 9 de abril e vai até o dia 24 de maio, no Complexo Ecológico Parque dos Igarapés, em Belém. "Nosso grande mérito é a mudança de ambiente e o currículo de ensino diferenciado, que não costuma ser trabalhado nos colégios", afirma Uirá. O objetivo do Arte na Trilha é plantar a semente da conscientização ambiental durante os dois dias de atividades e ele prevê que, até o fim do mês, um total de 600 crianças sejam atendidas. As escolas da rede pública enviam, sem custo para a unidade de ensino, turmas de 40 alunos entre 9 e 12 anos. Eles se dividem em dois grupos e participam de palestras, oficinas e um espetáculo teatral. As lendas e mitos da região amazônica são as temáticas que costuram toda a programação e através delas eles aprendem a ler partituras musicais, reciclagem, técnicas de atuação e pintura. 

A iniciativa surgiu para suprir uma carência do sistema educacional e enfrentou muitas dificuldades financeiras para virar realidade. "O imaginário amazônico é diretamente ligado ao meio ambiente e as escolas dificilmente trabalham isso com os estudantes do nível fundamental, que costumam assimilar bem esse conteúdo", aponta. Uirá defende o enorme potencial da Amazônia para projetos que conciliam cultura, educação e ensinamentos voltados para a sustentabilidade, que precisam ser focados nos jovens e crianças para estimular a preservação ambiental. "Os resultados tendem a ser muito mais favoráveis quando eles entendem na prática as implicações em suas vidas das problemáticas do lixo ou da água", exemplifica o idealizador do projeto.

OFICINAS
Cada escola inscreve os alunos em duas oficinas. Na oficina de arte eles realizam desenhos e pinturas de imagens da floresta, enquanto na de sustentabilidade eles reutilizam materiais na produção de bioacessórios. O público pode ainda fazer a oficina de iniciação teatral ou musical, onde eles aprendem a ler uma partitura em menos de uma hora. Rutiel Felipe é o oficineiro de música e desenvolve com os estudantes uma técnica chamada partitura corporal. “De forma bem divertida trabalhamos com eles a percepção, concentração, ansiedade, improviso, memorização e, claro, consciência ambiental”, explica. Ao final da oficina eles já tem conhecimento de figuras musicais, compassos, claves, pausas e formação de compassos. 

Passada a primeira etapa, de instrução sobre harmonia e melodia, os alunos começam a cantar sobre natureza e cultura. Rutiel considera esse um momento importante na programação, pois aumenta a intimidade com a música e com o meio ambiente, além de reforçar outros valores. “Eles precisam escutar uns aos outros e colaborarem entre si, o que aumenta o respeito e o aproveitamento nas atividades”, diz. Para ele, a eficácia da técnica consiste em estabelecer uma ligação com os demais temas, pois “o método trabalha o corpo e os movimentos em cima dos ritmos, deixando eles mais familiarizados com o espetáculo e em sintonia com o resto do projeto, que passeia pela nossa cultura e riqueza natural”.

ENCENAÇÃO
A peça teatral é o ponto alto do projeto, já que os estudantes interagem diretamente com o espetáculo. Os atores conduzem as crianças pelas trilhas do Parque em busca de um tesouro e durante o caminho surgem personagens lendários. A Matinta-Pereira que aborda os alunos é interpretada pela atriz Suely Brito, com 25 anos de carreira, e apesar de provocar um susto, quer mesmo é alertá-los de que o tesouro não está guardado em um baú: é a própria natureza que os cerca. “A reação ao trabalho é fantástica, pois resgata o misticismo das histórias amazônidas e o temor pelos mistérios da floresta, alguns elementos que sumiram com o tempo”, observa. É no encontro com a Matinta que eles recebem algumas mudas de árvores que precisam ser plantadas para que o tesouro não acabe, mas se multiplique.

Apesar do desenvolvimento sustentável ser um assunto muito comentado atualmente na sociedade, Suely sente falta de discussões mais esclarecedoras e motivadoras no âmbito escolar e, principalmente, dentro de casa. “Por isso eu acredito nesse projeto, porque ele desperta a noção de preservação ambiental no público e como eles aprenderam de um jeito agradável, vão propagar isso para os familiares e amigos”, afirma. Uirá confirma que o retorno dos alunos e professores é espetacular. “Para a nossa equipe também traz muita alegria, é uma realização muito grande e a nossa vontade é estender para as escolas do interior do Estado”, comemora. Ele acredita que o Governo e entidades precisam, cada vez mais, estimular projetos que tragam enriquecimento metodológico para o currículo diversificado das escolas públicas. 

“Buscar desenvolver atividades além da sala de aula, iniciativas e projetos que estimulem a criatividade das crianças e jovens, fazendo com que elas aprendam de modo lúdico e prático é importantíssimo para um futuro mais sustentável”, completa. O Instituto Ariri Vivo, fundado há três anos, conseguiu realizar o Arte na Trilha através da Lei Semear da Fundação Cultural Tancredo Neves e Governo do Estado do Pará. Uirá garante que a maior satisfação para os envolvidos no projeto é conversar com os alunos após a trilha e notar que as metáforas e técnicas os ajudaram a entender melhor – e futuramente colocar em prática - o uso sustentável dos recursos naturais, além do convívio pacífico, inteligente e consciente com o mundo vegetal e animal.

SERVIÇO:

As informações gerais sobre o projeto também podem ser obtidas em contato com o Instituto Ariri Vivo, pelo email aririvivoamazonia@gmail.com e no site www.projetoartenatrilha.blogspot.com.



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