domingo, 16 de novembro de 2014

Icoaraci perde legado dos seus casarões

*Publicado no jornal O LIBERAL de 27/10/2013

BRENDA PANTOJA
Da Redação

     Quem visita a antiga casa do poeta paraense Antônio Tavernard, em Icoaraci, encontra o abandono. A placa em frente informa que se trata de um “casarão antigo do século passado”, mas está em ruínas e tomado pelo mato. A situação se repete com outras construções históricas do distrito, que se 
deterioram sem restauração. A Fundação Cultural do Município de Belém (Fumbel) diz que planeja um novo inventário do patrimônio histórico e arquitetônico no próximo ano. O último, de 1994, está desatualizado, segundo a presidente da fundação, Heliana da Silva Jatene.
     A antiga Estação de Trem e o Chalé Tavares Cardoso, que abriga a biblioteca Avertano Rocha, também estão em péssimo estado de conservação. A Associação dos Agentes de Patrimônio da Amazônia (Asapam), coordenada pelo historiador e especialista em patrimônio cultural Jeancarlo Pontes Carvalho, reúne informações sobre o estado desses e de outros imóveis históricos, repassa aos órgãos competentes e cobra melhorias. Recentemente, a denúncia de que um casarão na rua Manoel Barata, entre as travessas Berredos e Andradas, seria demolido para a construção de um supermercado foi divulgada na página da entidade e teve ampla repercussão nas redes sociais. “Não há imóvel histórico com autorização para ser derrubado em Icoaraci, no máximo o local pode ser revitalizado”, rebateu a presidente da Fumbel. 
     Jeancarlo observa que os casarões de Icoaraci fazem parte da história do Pará. “Infelizmente, os casarões históricos da vila, assim como a grande maioria em todo o Pará, padece o descaso da sociedade, é provável que 90% estejam em péssimas condições”, avalia, ao citar a antiga Estação de Trem. A fachada indica que uma Cooperativa de Artesãos funcionou no local, mas o prédio permanece com as janelas e portas trancadas, cercado pelo mato alto. Vizinhos afirmam que uma família sem-teto ocupava o imóvel. Revitalizar os bens patrimoniais reforça a grandiosidade da cultura paraense, defende Jeancarlo. “A importância da preservação é deixar às próximas gerações essa herança, legado de um passado importante ao desenvolvimento da nossa cidade”, definiu. Ele e a presidente da Fumbel sustentam a necessidade de um relatório atualizado que possibilite acompanhar a situação dos imóveis.
     “O Chalé Tavares Cardoso é o exemplo mais notório de abandono. Está cheio de infiltrações, rachaduras e algumas estruturas da casa ameaçam desabar”, denuncia Jeancarlo Carvalho. O prédio é tombado pelo município, mas o terreno ao lado, constantemente alagado, pode prejudicar as fundações da casa. A situação piorou depois que uma construção irregular em frente ao chalé obstruiu o escoamento da água do esgoto e da chuva, fazendo ela se acumular na propriedade histórica. 
       As obras para uma nova galeria subterrânea que comporte o fluxo do terreno deverão começar até o final do ano, anuncia Heliana Jatene. Segundo ela, a Fumbel pediu apoio à Secretaria Municipal de Saneamento (Sesan) para solucionar o problema. “O chalé precisa de providências imediatas de restauração, mas a Sesan informou que não adiantava bombear a água novamente, por isso estão estudando para definir a melhor maneira de escoar”, acrescentou. Ela explicou que a Prefeitura não conseguiu incluir o chalé entre os patrimônios tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que não aceitou a proposta sob a alegação de que o imóvel não faz parte do centro histórico de Belém. 
        “Este casarão, sem dúvidas, está com os dias contados. Se as secretarias responsáveis ficarem de braços cruzados, é provável que, em alguns anos, ele tombe, literalmente”, critica Jeancarlo. A indignação dos integrantes da Asapam se estende ainda à casa Senador José Porfírio, com traços do Art Nouveau que marcou o final do século XIX em Belém, mas hoje com a estrutura danificada, mato
e lixo ao redor. Ele defende que os espaços sejam transformados em pólos culturais e turísticos. “Os casarões são a prova material da nossa história e testemunho dos períodos da Belle Époque e o ciclo
da borracha que se desenvolveu no Pará”, argumenta. 

INVENTÁRIO
     “A atual gestão recebeu a Prefeitura sem informações sobre os bens patrimoniais do município. Para fazer esse acompanhamento é necessário elaborar um inventário e essa é a prioridade da Fumbel no momento”, informou Heliana Jatene. A ideia é convocar os cursos de Arquitetura, da Universidade Federal do Pará (UFPA) e Universidade da Amazônia (Unama), para auxiliar na elaboração do inventário, que vai abranger Belém, Icoaraci, Mosqueiro e Cotijuba. Ela informou que a proposta já foi enviada às instituições, mas não houve resposta. Não há um prazo para se iniciar o projeto e ainda será definido quais serão as atribuições de cada órgão, mas a expectativa é iniciar o levantamento no ano que vem. “No entanto, não é uma tarefa fácil e nem rápida. Somente depois do trabalho concluído poderão ser providenciadas licitações para restaurar os imóveis”, ressaltou.
     A casa do poeta Tavernard, de acordo com a Fumbel, está em processo de tombamento pelo município. “O abandono muitas vezes ocorre pela falta de atitude dos proprietários. É bom lembrar que o Ministério da Cultura oferece um financiamento para os donos de imóveis históricos”, pontuou Heliana, ao apontar as denúncias de abandono e depredação como a principal forma de ajudar a Fumbel a preservar o patrimônio. As informações podem ser fornecidas pelos telefones 3230-3684 ou 8733-3929.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Círio de Vigia emociona 250 mil fiéis

*Publicado no jornal O LIBERAL de 09/09/2013

BRENDA PANTOJA
Da Redação

      Aproximadamente 250 mil fiéis lotaram as ruas de Vigia, ontem, para participar do Círio de Nazaré, que chegou à 316ª edição e é considerado o círio mais antigo do Pará. A diretoria da festa calcula que cerca de 300 mil pessoas circularam pela cidade durante os três dias de festividade, que teve como tema “Pela fé, como Jesus e Maria, sejamos obedientes ao Pai”. História e devoção se unem à tradição da romaria, que cresce a cada ano, mas mantém algumas raízes da simplicidade de sua origem. Uma delas é o Carro dos Fogos, que é puxado por um búfalo e abre a procissão com queima de fogos; o Anjo do Brasil, uma garota vestindo  as cores da pátria e carregando a bandeira brasileira; e ainda a apresentação de bandas de música locais.
A programação iniciou-se com uma missa às 6 horas da manhã na Igreja de São Sebastião, no bairro de Arapiranga, ponto de partida da romaria. A igreja tem capacidade para 400 pessoas e ficou completamente lotada. “Para acomodar melhor o número cada vez maior de devotos estamos fazendo uma reforma de ampliação. No entanto, a obra ainda não tem previsão de conclusão, pois depende dos recursos arrecadados pela paróquia”, ressaltou o pároco José Carlos Silva da Cruz, que celebrou a missa. É o primeiro ano em que o padre participa da organização e diz que se sentiu honrado com a responsabilidade de ajudar a promover uma festa dessa importância para a cidade e para o estado.
A saída da imagem atrasou e ocorreu às 9 horas, mas não comprometeu o cronograma, que foi cumprido com a chegada da imagem na Igreja Matriz às 11h45. Logo em seguida iniciou-se a celebração da missa festiva que encerrou as atividades de ontem. Por onde passava Nossa Senhora de Nazaré era saudada com orações e emocionava os devotos. Mutios choravam. A imagem estava envolta em um manto em tons de branco, azul e dourado e abrigada na berlinda decorada com rosas vermelhas.
A coordenadora geral do Círio, Licely Magalhães, citou o novo carro que conduz o andor. “O veículo antigo foi trocado por estar danificado e para evitar que comprometesse o andamento do cortejo, pois o Círio é composto de cinco estações além da berlinda”, contou. A romaria tem ainda as barcas de São João, São Pedro e São José, que levam as crianças vestidas de marinheiros, a barca dos Milagres, que recolhe os votos atendidos dos promesseiros  e o Carro dos Anjos. O percurso foi de quase quatro quilômetros e 400 metros de corda foram levadas pelos romeiros até o final, quando ela foi cortada e repartida entre os fiéis.
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A Polícia Militar não registrou nenhuma ocorrência, segundo o major França do 12º Batalhão. “Nós disponibilizamos 50 policiais para a procissão, além do apoio de outras guarnições”, informou. Ao todo, o efetivo foi de 100 policiais, além dos 300 agentes da Guarda da Santa. No decorrer da procissão, 12 pessoas foram atendidas por desmaio e duas por arritmia cardíaca, de acordo com o comandante Pinheiros do Corpo de Bombeiros, que trabalhou com 20 militares e teve com a colaboração de 20 voluntários da Cruz Vermelha. “Muitas pessoas vem sem a alimentação adequada, que deve ser reforçada principalmente para quem vai na corda. O forte calor e a falta de hidratação também contribuem
para o acometimento de mal súbito”, explicou.
O autônomo Antenor Moraes, 48, tomou todos os cuidados necessários para acompanhar a romaria na corda e cumprir a promessa em agradecimento ao reestabelecimento da sua saúde. Há três anos ele começou a sentir pontadas no peito, mas nenhum exame diagnosticava o problema, até que resolveu pedir a cura a Nossa Senhora e as dores passaram. “O círio já tinha um significado especial, mas na corda é mais emocionante, mais gratificante, pois fortalece a fé”, afirmou. Logo no início da procissão, o tempo fechou por alguns minutos e ameaçou chover, mas a multidão só aumentava a cada trecho e a partir da metade da procissão o clima voltou a esquentar, fazendo as pessoas seguirem com sombrinhas e leques para se protegerem do sol e do calor.
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Os devotos iniciaram a caminhada  na rua São Sebastião e seguiram para a avenida Santana de Medeiros, avenida Barão de Guajará, travessa Vilhena Alves, rua Nazaré, travessa Hilário Cardoso e a avenida professora Noêmia Belém, para chegar à Igreja Matriz. Em todas as vias as janelas das casas estavam abertas e as fachadas decoradas para homenagear a santa. Faixas, flores, balões e berlindas coloriram as ruas centenárias de Vigia e simbolizaram o carinho da população a Nossa Senhora. A ornamentação especial para a ocasião faz parte da comemoração na família da professora Celeste Barbosa, 68. De cada lado do portão ela posicionou duas réplicas em tamanho menor da berlinda com a imagem, cercada de adornos. “Todo Círio a casa é enfeitada para acompanharmos a passagem da santa e depois acontece reunião em família para, em média, 50 pessoas”, disse.
Para ela, que é historiadora e devota, o Círio de Vigia é duplamente importante. “A relação de fé da população daqui é ainda mais antiga que em Belém, e já era expressada antes mesmo das romarias serem nomeadas  de Círio. A cidade de Vigia é mariana e essa essência passa de geração em geração  sem se perder, pelo contrário, só se multiplica”, observou. A professora reforçou a mensagem transmitida durante a festa religiosa, que ”consiste em promover um momento de reflexão individual, mas sem esquecer o amor ao próximo”.
            A adolescente Dayane Nunes, 17, participou do percurso pela primeira vez e estreou de uma forma muito bonita: tocando saxofone na Banda Sinfônica Maestro Vale, uma das que acompanha a romaria. “Futuramente tenho vontade de ir na corda, mas só tocar em honra a Nossa Senhora já é um grande privilégio”, comentou animada. Ela está em ano de vestibular, pretendendo ingressar no curso de Música, e aproveitou para pedir a aprovação no processo seletivo, com a promessa de continuar acompanhando a procissão daqui para frente. “Foi um mês de ensaio puxado, mas deu para conciliar com os estudos e o esforço de tocar durante todo o trajeto vale a pena, é um jeito de ser grata à santa”, completou.
            Esta edição do Círio também foi marcante para a lavradora Nair de Sousa, 53. Os braços levantados e a   maquete de uma casa em cima da cabeça simbolizam a compra da casa própria, uma vitória esperada há muito tempo. “Sou bragantina e frequentava o Círio de lá, mas há oito anos me mudei para cá e participo sempre, pois a devoção é a mesma em qualquer lugar”, declarou. Para ela, o sentimento é uma mistura de felicidade, orgulho e devoção por poder cumprir uma promessa feita há muito tempo.
            Na família da agricultora Maria Gracinete Paes, 32, a devoção foi compartilhada. No ano passado, o filho  mais velho dela sofreu um acidente e precisava fazer duas cirurgias. “Foi quando a minha caçula ficou muito preocupada e prometeu à Nossa Senhora que se ele ficasse bom rapidamente ela iria como anjinho no próximo Círio”, complementa a mãe. O pedido foi atendido e o Lucas, de 14 anos, teve uma recuperação ótima sem necessidade da segunda operação. A pequena Lívia, 6, honrou a promessa e participou do Carro dos Anjos, acompanhada de perto da mãe e do irmão.
            Andrey Miguel, de apenas 4 anos, acompanhou o Círio pela primeira vez e de maneira especial. Ele e mais dois primos estavam no carro dos marujos, com roupas de marinheiros. “Eu e minha irmã decidimos colocá-los para participar no carro em agradecimento ao ano passado, em que muitas bênçãos foram recebidas”, justifica a mãe dele, a autônoma Andréa Torres, 30. É também a primeira vez que a família faz o trajeto toda junta e ela acredita que a experiência será positiva para as crianças. “É importante para que eles aprendam desde cedo o valor da fé e se tornem pessoas de bem. O Andrey até participa do catecismo mirim em uma paróquia daqui. Sem falar que eles se divertem”, brincou, apontando para os meninos que riam em cima do carro.
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            O Círio de Vigia atrai devotos de outras localidades que vão a Vigia louvar Nossa Senhora de Nazaré, como é o caso da funcionária pública Lucimir Lira, de 51 anos. Ela é moradora de Mosqueiro e acompanha a procissão no município há sete anos. “Antes tinha o costume de participar da romaria de Nossa Senhora do Ó (realizado no distrito) e do Círio em Belém, mas vi no Círio daqui uma oportunidade a mais de agradecer as graças recebidas na família. A festa aqui também é muito bonita”, elogiou. Ela foi para Vigia com um grupo de 30 pessoas, entre parentes e amigos, e alugou uma casa para poder aproveitar bem todos os dias da festa.
A professora Ana Pantoja, 63, apesar de ser natural de Vigia, só acompanhou o Círio até os 18 anos de idade, quando se mudou para a capital paraense. Com saudade da festividade, ela voltou a frequentar o Círio na terra de origem desde o ano passado. “Quando saí daqui, a festa já era grande e tradicional, mas desde então a fé da população tem crescido e agregado mais valor ainda ao Círio”, observou.
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O Círio também é oportunidade de trabalho para muitas pessoas, principalmente camelôs. O ambulante Assis Ferreira, 48, se deslocou de Belém para a cidade para vender toalhinhas decoradas especialmente para a festividade. “Trouxe mil unidades que começaram a ser confeccionadas em maio, com a ajuda da minha esposa e filho”, relatou. Apesar do esforço para vender toda a mercadoria nos três dias do evento, ele disse que sempre sobram cerca de 50 unidades e que ao acompanhar a procissão trabalhando, é impossível não se comover. “Aproveito para agradecer pela saúde da minha família, pela disposição para batalhar pelo meu sustento”, acrescenta ele, que costuma viajar para as maiores romarias do Pará  vendendo as toalhas.