BRENDA PANTOJA
Da Redação
Da Redação
Investir nos produtores locais,
pensar alternativas para tratamento
de água e esgoto,
utilizar os recursos naturais de
forma mais consciente. Ações
como estas transformam a realidade
dos moradores. Mais do
que levar as ferramentas e os
equipamentos, é preciso levar
informação e conhecimento.
Essa combinação é a marca das
chamadas Tecnologias Sociais
(TS), que consistem em soluções relativamente simples, de
baixo custo e fácil reaplicabilidade
para melhorar demandas
essenciais como água potável,
alimentação, educação, habitação,
saúde, meio ambiente,
entre outras.
Quando se fala em tecnologia,
muita gente costuma
associar o termo aos laboratórios e grandes empresas, com
equipamentos caros e computadores
de última geração. No
entanto, muitos pesquisadores,
empresas e organizações
da sociedade civil apostam
na ciência, na inovação e na
qualificação para alavancar
o desenvolvimento social em
comunidades que precisam
de assistência. No município
de Bragança, distante cerca de
210 km de Belém, as escamas
e couro de peixes, que eram
jogados no lixo pelas mãos de
Liliane Quadros, 37, e outras
artesãs locais, agora transformam-se
em biojóia.
Ela recebe apoio da Casa do
Empreendedor, que já formalizou
409 microempreendedores
individuais desde janeiro
do ano passado e é uma das
instituições parceiras da Rede
Paraense de Tecnologias Sociais
(RTS/PA). Ao desburocratizar
o processo para pequenos
investidores, que antes precisavam
se deslocar para cidades
vizinhas ou até mesmo para a
capital, os benefícios começam
a ser notados. “O primeiro resultado
é o aumento na arrecadação
do município, por causa
dos impostos e taxas, algumas
com tarifas especiais para os
empreendedores legalizados. E o principal, que é o fomento
da economia na região bragantina”,
comenta a agente de
desenvolvimento local Eliete
Sampaio.
Paneiros artesanais, cestos
de guarumã (planta amazônica),
panelas de barro e bolsas
de fibra da bananeira são alguns
exemplos de artesanatos
produzidos em Bragança e
comunidades próximas. A atividade
tem muita força por lá,
aquecendo não só a economia,
mas também a cultura. Agora,
os empreendedores se preparam
para a tradicional Festa da
Marujada, realizada em dezembro,
que atrai muitos turistas e
movimenta os negócios do município.
“A nossa função, hoje, é
chegar onde ninguém chegava.
Bragança é rodeada por comunidades,
então queremos ir lá
naquele artesão que até sabe
produzir, mas não sabe como
entrar no mercado”, afirma.
Os workshops e feiras promovidas
pela Casa beneficiaram
pessoas como Liliane, que
envia encomendas de biojóias
a Belém, Manaus, Rio de Janeiro
e São Paulo. Ela aprendeu a
técnica há três anos, por meio
de uma oficina da Secretaria de
Estado de Pesca. “Depois veio a
Casa do Empreendedor, onde
aprendi mais sobre produção
e me capacitei, o que tem sido
uma ótima ajuda para a minha
renda”, conta. Ela prefere confeccionar
peças únicas e trabalhar
com matérias-primas
como sementes, o que envolve
outros fornecedores locais.
“Incentivar os produtores de
artesanato daqui é maravilhoso,
porque são feitas peças de
ótima qualidade. A atuação da
Casa estimulou a união de mais
de 50 grupos de artesãos, que
estão mobilizados para fortalecer
e divulgar a nossa arte”,
acrescenta, reforçando que o
trabalho de enfoque econômico
ganhou dimensão social, de
valorização da cultura.
SANITÁRIOS
Fortalecer o mercado é relevante,
na visão de João Pinho,
porque a baixa renda é um dos aspectos que influencia o morador
a deixar sua comunidade.
Outro motivo para essa saída é
a má qualidade no abastecimento
de água e saneamento
precário. “Um dos papeis das
tecnologias sociais é dar condições para que as pessoas, se assim
desejarem, se mantenham
na sua região com capacidade
de produzir e ter qualidade de
vida, sem ter que migrar e enfrentar
dificuldades nos grandes
centros”, argumenta. O
projeto “Sanitários Ecológicos
Secos”, da Caritas Arquidiocesana
de Belém e com apoio do
Banco da Amazônia, busca proporcionar
essas condições aos
habitantes da Região das Ilhas,
em Belém. Em andamento desde
2006, a iniciativa atende 202
famílias nas Ilhas Jutuba, Urubuoca,
Longa, Nova e Paquetá.
Os moradores recebem um
sistema de vasos sanitários
artesanais, compostos por três
peças básicas: cisterna, vaso e
plataforma. Ele permite transformar
os dejetos humanos
em um forte adubo orgânico,
misturando-os com serragem,
folhas secas e cal. O material
passa seis meses em um processo
que não exala odor, não
desperdiça água e não contamina
a baía do Guajará. Até a urina
tem sido reaproveitada, pois
misturada com borra de café e
exposta ao sol por 15 dias, já se
provou um eficiente inseticida.
“Temos famílias que estão comercializando
esses produtos,
algumas venderam a saca de
adubo a R$ 400 e uma garrafa
de 2 litros de inseticida a R$ 20.
Além de preservar o meio ambiente,
melhorar as condições
sanitárias, ainda gera renda”,
destaca o diácono Miguel Pinto,
responsável pelo projeto.
A previsão é que até o fim
deste ano, mais 11 unidades
de sanitários sejam instalados,
alcançando 100% das famílias
na Ilha Paquetá. Segundo o diácono, uma das dificuldades é
conscientizar a população local
sobre a importância de seguir
as instruções corretamente,
mas a participação dos moradores
tem crescido muito. “Também
estamos pensando em
formas de melhorar a logística,
uma vez que cada conjunto para
instalação, feito de concreto,
pesa cerca de 380 kg. Estamos
procurando materiais mais
leves. Também investimos em
projetos de captação e desinfecção
da água, fundamental
para melhorar a vida dos ribeirinhos”,
complementa.
Moradora da Ilha de Urubuoca,
a pescadora Jacqueline
Costa, 50, diz que não tem a
menor vontade de voltar a usar
os banheiros a céu aberto. “Essa
iniciativa foi ótima para a
nossa família, melhorou muito
a nossa condição sanitária. O
adubo produzido rende bastante,
ajuda muito e queremos
até aumentar nossa plantação.
O inseticida funciona muito
bem com as formigas”, ressalta.
O único problema é a falta
de compromisso de muitas famílias,
que continuam usando
os antigos banheiros, despejando
os dejetos na lama e no rio.
“Se todos implantassem o sanitário
ecológico, seria um lugar
com mais higiene. As crianças
adoeceriam menos, já que usamos
a água do rio para tudo”,
observa.
Energia interliga os eixos e garante o sucesso da cadeia produtiva
Projetos como esses estão
sendo apresentados e discutidos
no III Fórum Paraense
de Tecnologias Sociais e na IV
Mostra de Tecnologias Sociais,
no Campus II da Universidade
do Estado do Pará (CCBS/UEPA).
Os eventos, que começaram ontem
e continuam hoje durante
todo o dia, são promovidos
pela Secretaria de Estado de
Ciência, Tecnologia e Educação
Técnica e Tecnológica (Sectet),
com apoio da RTS/PA. A entrada
é gratuita e aberta ao pú-
blico em geral, com palestras,
oficinas e exposições. O tema
central do Fórum é “Energia e
Desenvolvimento Social”, mas
também foram realizados quatro
workshops sobre “Energia”;
“Água e Saneamento”; “Telecomunicações
e Inclusão Digital”;
e “Emprego e Renda”.
Para o diretor de Ciência
e Tecnologia da Sectet, João
Tavares Pinho, todos os eixos
estão interligados, mas pensar
em alternativas para a energia
é de suma importância para
qualquer outra ação. “Sem a
disponibilidade de energia não
há possibilidade de comunica-
ção a distância, de atendimento
com água tratada de qualidade
para uso humano, de
aproveitamento em processos
produtivos que geram emprego
e renda para a população”,
pontua. O envolvimento da
comunidade é outro fator essencial
para garantir o sucesso
das tecnologias voltadas ao
desenvolvimento social.
Segundo ele, na maioria das
vezes, a ideia de mecanismos
ou de ajustes em um projeto
vem do usuário final, do morador
da comunidade onde a TS
está sendo implantada. “Interação
é a palavra-chave e uma
característica importante do
Fórum. Se por um lado, a energia
é o básico para você fazer
qualquer trabalho, o principal
objetivo é a geração de emprego
e renda, pois assegurando
a capacitação e a qualificação
da comunidade, o impacto é
sentido em toda a cadeia produtiva”,
complementa.
O foco do Grupo de Estudos
e Desenvolvimento de Alternativas
Energéticas (Gedae), da
Universidade Federal do Pará
(UFPA), é justamente proporcionar
energia aos lugares onde
isso ainda é uma deficiência.
Em exposição na IV Mostra, eles
explicam os sistemas montados
pelo grupo e implantados em
vários pontos da Amazônia,
envolvendo energia eólica, solar
e biomassa. “Nossa região tem
índices de radiação muito superiores
aos lugares da Europa
onde a energia solar é melhor
utilizada. Temos muito potencial
e, de fato, os painéis solares
(ou fotovoltaicos) são muito viáveis e já são muito utilizados no
Pará”, avalia o bolsista de doutorado
Max Nascimento.
Dentre os projetos voltados
para energia, o Barco Solar e
Oficina Solar são destaquea,
desenvolvidos em parceria
entre a Universidade Federal
de Santa Catarina e o Gedae. A
embarcação sustentável, batizada
de “Aurora Amazônica”,
foi lançada no mês passado e
é composta por dois conversores
de corrente contínua para
corrente alternada, dois motores
elétricos WEG responsáveis pelo sistema de propulsão
com sistema de refrigeração à
água, banco de baterias com
autonomia para cinco horas
de navegação e capacidade total
de 22 pessoas. No momento
de atracação do barco, ele pode
ser carregado conectando-se
ao terminal elétrico da oficina
solar, tendo um banco extra de
armazenamento de energia, o
que permite que ele possa ser
recarregado mesmo nos períodos
de vários dias de chuva, comuns
na Região Amazônica.
Expandir esses mecanismos
é o desafio. Em várias
comunidades, não é novidade
usar energia solar para bombear
água e para alimentar
sistemas autônomos, que por
sua vez, podem proporcionar
iluminação e o uso de rádios e
televisões a locais onde a rede
elétrica não chegou. Max citou
os municípios de Maracanã,
Marapanim e Ponta de Pedras,
além do distrito de Mosqueiro,
como exemplo de pontos de
implantação dessas tecnologias
sociais. “Temos projetos
de balsas itinerantes com sistemas
híbridos de captação de
energia, que circulariam pelo
Arquipélago do Marajó. Ainda
que seja possível comprar
kits prontos para captação de
energia solar e montagem de
sistemas autônomos, é preciso
aumentar o investimento nessa
área para diminuir os custos e
aumentar o alcance”, conclui.