BRENDA PANTOJA
Da Redação
Com as compras no caixa, o cliente pergunta: “aceita moqueio?”. O questionamento parece estranho, mas é bastante natural na Baía do Sol, comunidade localizada na Ilha de Mosqueiro, em Belém. O termo é usado para descrever uma técnica indígena de conservação do pescado, mas por lá, o moqueio (M$) é uma moeda social que circula nos estabelecimentos e no Banco Comunitário Tupinambá, que completou seis anos de atuação no local e está transformando a realidade econômica de cerca de oito mil moradores. Com valor equivalente ao do real, o dinheiro complementar é utilizado no pagamento de mercadorias, serviços e contas, cumprindo o importante papel de fortalecer a economia local. Antes da iniciativa, apenas 2% dos moradores compravam internamente. Agora, esse número saltou para 84%.
Os significativos resultados já renderam várias premiações e a mais recente foi ser um dos 20 projetos selecionados em todo o país no prêmio de “Melhores Práticas Sociais”, da Caixa Econômica Federal. Enquanto a equipe de reportagem conversava com os coordenadores do Instituto Tupinambá, Marivaldo do Vale e Ivoneide Vale, vários eletrodomésticos e aparelhos eletrônicos chegaram para entrega à sede da ONG, como parte do Prêmio Consulado da Mulher de Empreendedorismo Feminino. Eles venceram a disputa com o projeto Ceci, outro braço do instituto, cujo foco é o empoderamento das mulheres, mas que está diretamente ligado ao banco comunitário.
Para compreender melhor como essa cadeia funciona, Marivaldo explica que o objetivo da moeda social é fazer com que o capital circule no próprio bairro. Estimulando moradores e empreendedores a comprarem de fornecedores locais, é possível aumentar o poder de comercialização, gerando trabalho e renda e, assim, contribuir para o desenvolvimento da comunidade. “Pesquisas que realizamos ao longo dos anos nos mostraram que era de R$ 30 o gasto por pessoa para se deslocar até a Vila de Mosqueiro para realizar as transações bancárias. O banco proporciona uma economia de pelo menos R$ 90 mil por mês, só pelo simples fato dos habitantes não terem que sair da Baía”, afirma.
Durante a entrevista, a movimentação de clientes era intensa no Banco Tupinambá, pois era dia de pagamento do programa Bolsa Família. Eles firmaram convênio com a Caixa Econômica há três anos e realizam todos os serviços de uma agência comum, o que atualmente significa uma média de três mil atendimentos mensais. Os usuários podem, inclusive, fazer empréstimos com o moqueio. “Antes do Banco Comunitário, as famílias iam receber a Bolsa ou fazer qualquer outro tipo de transação fora da Baía do Sol. Por causa da distância, muitos também almoçavam e faziam as compras na Vila. Pouco desse recurso chegava aqui. Agora, quase 100% da demanda financeira fica na comunidade, dando mais chance de crescimento aos comerciantes daqui”, reforça.
Dois tipos de empréstimo são praticados pelo Banco: o produtivo, que é negociado em reais e voltado aos empreendedores, e o de consumo, realizado em moqueios para os moradores. Segundo Marivaldo, a moeda social possui um lastro (fundo sem o qual ela não poderia circular na comunidade) de R$ 8 mil, o que possibilita atender com empréstimos em torno de 300 famílias. As mães do Bolsa Família tem um crédito especial de M$ 30 por mês, pagando uma taxa de R$ 0,10 a cada M$ 10. “Muitas delas têm apenas o programa como fonte de renda e a ideia é que não falte o pão na mesa. Elas também recebem aulas de educação financeira, assim como todos os clientes que fazem empréstimo conosco”, informa.
Os empréstimos de consumo variam entre M$ 30 e M$ 150. Em seis anos, mais de 3.400 empréstimos já foram realizados, movimentando um valor de M$ 144 mil. Apenas três casos de inadimplência foram registrados em todo esse período e Marivaldo acredita que o envolvimento da comunidade no funcionamento do banco contribui para o fortalecimento. “A gente busca fazer eles entenderem que o Banco Tupinambá não é nosso, é de cada um que já se beneficiou com a circulação do moqueio. A comunidade tem crescido muito nos últimos anos, tanto que não está sendo atingida pela crise da mesma forma que o resto da capital”, observa.
De fato, vários comerciantes e mães de família da região afirmaram ainda não terem sentido os impactos por causa do momento difícil da economia brasileira. Alguns até conseguiram expandir o comércio. “Talvez a crise se reflita mais no recurso que não está vindo, uma vez que a Baía do Sol sempre foi uma comunidade muito desassistida. No entanto, a gente observa que tem várias construções, que o que está aqui consegue alavancar”, avalia Ivoneide. Ela pontua que o crescimento é fruto de um processo de conscientização social dos habitantes. Quando o Instituto começou, ela lembra que não existiam açougues apropriados e só havia uma panificadora, além da maioria dos comerciantes serem informais.
“Muita gente também não comprava aqui porque os vendedores não aceitavam cartão de crédito. Os produtos eram caros e não tinha muita opção, porque a competitividade era muito baixa. Com base em estudos, pautamos melhorias e fomos vencendo deficiências. A comunidade entendeu e começou a se formalizar”, recorda. De acordo com ela, apostar em quem estava com crédito negativado, concedendo empréstimo social e dando orientações financeiras, também se mostrou uma boa escolha. “Não somos uma casa lotérica, em que as pessoas pagam e não existe relacionamento algum. Somos um banco comunitário, somos moradores locais. A gente acaba sendo assistente social e psicólogo, às vezes, e isso é muito importante”, destaca.
Projeto promove capacitação técnica e produtivas às mulheres
Foi a partir dessa inquietação que surgiu, há três anos, o projeto Ceci Mulheres. Quase 30 mulheres que recebem o Bolsa Família têm crédito no Banco Comunitário e desejam empreender participam da iniciativa. Ivoneide diz que a demanda surgiu logo após o convênio com a Caixa. “Percebemos a vulnerabilidade de muitas mulheres que recebiam o Bolsa conosco, mas estavam em situações de violência doméstica, drogadição e alcoolismo”, detalha. A ideia do Ceci é beneficiar essas mães através de capacitação técnica e produtiva em diversas áreas, inclusão financeira e acompanhamento social. Para ela, ainda que a quantidade de pessoas atendidas pelo projeto pareça pequena, o impacto vai ser grande. O prêmio do Consulado da Mulher garantirá a elas dois anos de acompanhamento técnico.
Projeto promove capacitação técnica e produtivas às mulheres
Foi a partir dessa inquietação que surgiu, há três anos, o projeto Ceci Mulheres. Quase 30 mulheres que recebem o Bolsa Família têm crédito no Banco Comunitário e desejam empreender participam da iniciativa. Ivoneide diz que a demanda surgiu logo após o convênio com a Caixa. “Percebemos a vulnerabilidade de muitas mulheres que recebiam o Bolsa conosco, mas estavam em situações de violência doméstica, drogadição e alcoolismo”, detalha. A ideia do Ceci é beneficiar essas mães através de capacitação técnica e produtiva em diversas áreas, inclusão financeira e acompanhamento social. Para ela, ainda que a quantidade de pessoas atendidas pelo projeto pareça pequena, o impacto vai ser grande. O prêmio do Consulado da Mulher garantirá a elas dois anos de acompanhamento técnico.
“Elas nunca mais serão as mesmas. E é por elas que passa a educação da futura geração. Se essas mães não estiverem bem, não criarão bem os seus filhos. A gente quer disseminar na comunidade a ideia do protagonismo. De fazer algo pelo ambiente em que está inserido, sem esperar pelo poder público para mudar a realidade”, declara. No mês que vem, representantes do projeto Ceci viajarão pelo Nordeste para criar a Associação das Mulheres Emancipadas do Programa Bolsa Família entre o Norte e o Nordeste. O objetivo é reunir mulheres, que conseguiram se estabilizar e se tornaram mais independentes, a abrir polos de atendimento e alcançar mais pessoas.
E-DINHEIRO
Outra ação na qual o Instituto Tupinambá está trabalhando é a implantação do e-dinheiro, a moeda social eletrônica que será utilizada por todas as 110 instituições da Rede Brasileira de Bancos Comunitários. A previsão é que ela esteja rodando em todo o país em março do ano que vem. Marivaldo explica que o maior ganho é a mobilidade e que cada banco movimentará a sua moeda própria dentro do fundo que dispõe. “O aplicativo vai permitir que eu movimente o moqueio, por exemplo, para pagar um boleto ou até trocá-lo por reais”, adianta. A ideia já foi apresentada para os clientes do banco e a dona Raimunda da Silva, 51, já está cadastrada.
E-DINHEIRO
Outra ação na qual o Instituto Tupinambá está trabalhando é a implantação do e-dinheiro, a moeda social eletrônica que será utilizada por todas as 110 instituições da Rede Brasileira de Bancos Comunitários. A previsão é que ela esteja rodando em todo o país em março do ano que vem. Marivaldo explica que o maior ganho é a mobilidade e que cada banco movimentará a sua moeda própria dentro do fundo que dispõe. “O aplicativo vai permitir que eu movimente o moqueio, por exemplo, para pagar um boleto ou até trocá-lo por reais”, adianta. A ideia já foi apresentada para os clientes do banco e a dona Raimunda da Silva, 51, já está cadastrada.
Ela é proprietária de um mercadinho e se rendeu ao uso do moqueio há quatro anos, depois da insistência dos clientes. “Eles sempre perguntavam se aceitava pagamento em moqueio, até que resolvi aderir e não tive nenhum prejuízo, pelo contrário. Aumentou a fidelidade dos clientes”, conta. Na fila do caixa, ela estava com vários boletos e muitos moqueios em mãos. Raimunda utiliza a moeda social no pagamento de boletos e para facilitar o troco aos clientes. Com as informações sobre empreendedorismo, ela tem gerenciado melhor os negócios e conseguiu aumentar o espaço do comércio, além de ter comprado um freezer novo. Valdenira Villaça, 27, é vendedora em um armarinho e garante que o moqueio circula como uma moeda normal na Baía do Sol.
“É uma moeda totalmente comum na nossa rotina. Usamos pra comprar desde crédito pra celular até açaí com farinha, remédios e tudo mais. Alguns estabelecimentos até dão 5% de desconto para quem pagar em moqueio. Tudo isso faz o dinheiro circular aqui”, comenta. Ela, que tem duas filhas e recebe o Bolsa Família, também faz parte do projeto Ceci, não tem dúvidas do retorno positivo que tem com os projetos. “Faço os empréstimos mensais de M$ 30, é um valor que me ajuda bastante. E com os treinamentos de educação financeira, mudou a minha visão sobre o assunto. Antes, achava que só saindo daqui poderia ter uma renda, mas hoje entendo que posso investir aqui mesmo”, diz.
A universitária Valéria Barbosa, 31, acredita que o projeto merece mais visibilidade, pois tem ajudado muitos moradores da área. “A aceitação da moeda é muito boa, as pessoas se sentem seguras utilizando o moqueio e o comércio local tem se desenvolvido bastante com esse fortalecimento, o que resulta numa melhor qualidade de vida para todos”, pondera.
“É uma moeda totalmente comum na nossa rotina. Usamos pra comprar desde crédito pra celular até açaí com farinha, remédios e tudo mais. Alguns estabelecimentos até dão 5% de desconto para quem pagar em moqueio. Tudo isso faz o dinheiro circular aqui”, comenta. Ela, que tem duas filhas e recebe o Bolsa Família, também faz parte do projeto Ceci, não tem dúvidas do retorno positivo que tem com os projetos. “Faço os empréstimos mensais de M$ 30, é um valor que me ajuda bastante. E com os treinamentos de educação financeira, mudou a minha visão sobre o assunto. Antes, achava que só saindo daqui poderia ter uma renda, mas hoje entendo que posso investir aqui mesmo”, diz.
A universitária Valéria Barbosa, 31, acredita que o projeto merece mais visibilidade, pois tem ajudado muitos moradores da área. “A aceitação da moeda é muito boa, as pessoas se sentem seguras utilizando o moqueio e o comércio local tem se desenvolvido bastante com esse fortalecimento, o que resulta numa melhor qualidade de vida para todos”, pondera.