Da Redação
O Marajó é terra encantada, cheia de lendas e mitos que causam fascínio. Nas comunidades do arquipélago, o encantamento não vem só das narrativas amazônicas, mas também dos pontos de leitura espalhados pelo Projeto Vaga Lume, que implanta bibliotecas em localidades rurais e ribeirinhas da Amazônia Legal. O trabalho é realizado desde 2001 e conta com 159 bibliotecas em 23 municípios, levando muito mais do que um acervo de livros novos para estas populações. Os espaços são administrados de forma conjunta pelos moradores, adaptando o seu funcionamento à realidade de cada região, e cultivam o hábito da leitura entre milhares de crianças e adolescentes. Os adultos também se beneficiam da iniciativa, que estimula a capacidade de articulação das lideranças comunitárias.
Somente em Soure, que é a maior cidade da Ilha do Marajó, há seis unidades. Uma delas fica na Comunidade do Céu, acessível de canoa pela praia do Pesqueiro ou de carro por dentro de uma fazenda. A vila é cheia de coloridas casas de madeira e fica de frente para a praia, recebendo um vento constante, além de ter uma rotina muito diferente da correria das grandes cidades. É lá que mora Maria Clara Rodrigues, que já é uma leitora ávida aos 8 anos de idade. Desde janeiro, ela leu mais de 75 livros, sendo a detentora da maior ficha de empréstimos da biblioteca Vaga Lume local. Os registros são tantos, que não couberam na ficha e passaram a ser anotados em um caderno à parte.
Para escolher as leituras da semana, Maria Clara vai até a casa da voluntária Patrícia Monteiro Lima praticamente todas as tardes. Há três anos, a casa de Patrícia – mais especificamente, a varanda - é o ponto de encontro para todos que quiserem pegar os livros emprestados e participar das rodas de leitura. Graças ao esforço dela, que trabalha como merendeira na escola da comunidade, mais de 50 crianças, jovens e adultos, são frequentadores assíduos da biblioteca. “O acervo chegou em 2012, mas foi colocado na sede da associação da comunidade, que passa muito tempo fechada. Percebi
que os meninos e meninas não tinham acesso e trouxe para casa. Deu muito certo”, conta.
Deu tão certo que a comunidade está arrecadando dinheiro para construir uma sede, feita de taboca e palha, que abrigue os 450 livros. O projeto está pronto e deve custar em torno de R$ 1.200. Para a Maria Clara, vai ser muito legal ter mais um espaço para ler confortavelmente. “Levo vários livros, uns cinco de cada vez. Gosto de ler no meu quarto, depois do almoço. Antes também. Os livros me ajudam em algumas lições da escola, gosto muito de pesquisar sobre os índios”, diz a menina. A mobilização em torno da biblioteca na Comunidade do Céu é um bom exemplo de como as pessoas se apropriam da iniciativa, o que é o seu principal fator de sucesso, afirma Sylvia Guimarães, presidente da organização não-governamental (ONG) paulista.
Em outubro do ano que vem, a ONG Vaga Lume comemora 15 anos desde a implantação do primeiro espaço, que foi inaugurado justamente no Marajó, na Vila do Pesqueiro. Em preparação ao aniversário, a entidade promoveu uma expedição e levou nove educadoras para percorrer todas as bibliotecas, em uma missão que foi realizada nos últimos cinco meses. De acordo com Sylvia, o objetivo é coletar dados para montar um ranking, direcionar melhor os investimentos e montar o planejamento do ano que vem. No momento, o foco é engajar mais pessoas físicas na manutenção do projeto através de doações mensais.
Para ajudar a montar uma estratégia de ação, alguns colaboradores de São Paulo foram a Soure para conhecer as comunidades do Caju-Una, Céu e Pesqueiro. A visita ocorreu no último final de semana, através da empresa Turismo Consciente, e foi organizada por uma das fundadoras da ONG, Maria Teresa Meinberg. O grupo era composto de profissionais de marketing, publicidade, recursos humanos e outras áreas, que conhecem o projeto desde o início. A ideia era que eles vissem de perto o impacto causado pelas bibliotecas, para conseguir elaborar campanhas de engajamento entre a sociedade.
Iniciativa ajuda a construir consciência crítica e abrir novos horizontes
Durante as visitas, a equipe conheceu muitas histórias interessantes, como a do agente multiplicador André Luís Nascimento, 19, que cursa o segundo ano de Letras na Universidade Federal do Pará. Foi na Comunidade do Caju-Una, onde a pesca é a principal atividade, que ele conheceu o projeto, na época com 12 anos. “A primeira coisa que mudou, logo de cara, foi o meu contato com os livros, que passou a ser direto e frequente. Fiquei tão envolvido que logo virei voluntário e ajudava na organização da biblioteca, no controle dos empréstimos e outras tarefas”, lembra.
Ele foi crescendo junto com o Projeto Vaga Lume, que se firmou no Caju-Una e no Marajó, com mais 23 bibliotecas espalhadas por Breves e Portel. Ainda adolescente, André já atuava como educador, mediando as leituras. Esse contato, segundo ele, o ajudou na hora de decidir se tornar professor. “Os livros despertam a curiosidade, abrem os horizontes e ajudam a construir uma consciência crítica. Eu posso dizer, por experiência, que os livros são instrumentos de transformação social”, defende.
Em função da faculdade, ele se mudou da vila para a cidade de Soure, mas fica feliz ao ver que o projeto continua firme no Caju-Una. Os livros ficam guardados dentro de um bar, que está fechado, e a coordenadora da biblioteca, Valdileide Medeiros, garante que a principal meta é conseguir um local específico para o acervo. Para recepcionar os visitantes, os educadores e as crianças montaram um
ponto de leitura embaixo das árvores, na praça da vila, onde apresentaram peça de teatro, rodas de capoeira e promoveram um bonito momento de intercâmbio cultural.
Na Vila do Pesqueiro, a programação foi parecida e teve muito carimbó e exposição de livros artesanais, fotos e documentos que registram a história da primeira biblioteca instalada pela ONG, que funciona dentro da Escola Santa Luzia e já conta com mil livros, diz a professora Neide
Borges, 42, coordenadora do espaço. “Mudou muita coisa desde que os livros chegaram aqui. As crianças aprenderam a gostar de ler e tirar proveito dessa fonte de cultura e conhecimento. Aumentou a vontade de estudar e o desempenho nas notas. Até os pais que não liam, agora já leem”, afirma.
Só no ano passado, 18 voluntários foram capacitados na comunidade, o que mostra a força de vontade das pessoas em manter o projeto funcionando bem, acredita a professora. “Além das atividades na escola, os voluntários passam nas casas para oferecer os livros. É uma ação que fazemos que dá certo porque ganha o interesse das famílias”, acrescenta.
A estudante Aline Almeida, 10, tira bastante proveito da biblioteca comunitária. “É muito bom ter sempre livros novos para ler, a gente aprende várias coisas, como preservar a natureza e o espaço onde vivemos. Com a leitura, a gente também consegue se expressar melhor e conhece palavras novas”, destaca.
O envolvimento dos voluntários e o esforço das pessoas que participam do projeto é uma das coisas que mais chama a atenção da garota. A educadora Celice Gonçalves, 32, reforça que a participação dos moradores é fundamental. “O livro por si só não faz tanta diferença. É preciso que alguém o apresente para o público, por isso investimos nas formações locais. A gestão também é inteiramente comunitária, pois se adequa ao que funciona melhor para aquelas pessoas”, explica. Ela já viu comunidades que não conseguiram se organizar e fecharam as bibliotecas. “O processo de apoderamento é o mais interessante de tudo. A biblioteca tem que fazer sentido para as pessoas, senão o trabalho não tem continuidade”, resume.
ONG já formou 3.173 mediadores, 482 multiplicadores e 800 voluntários
A ONG Vaga Lume foi fundada em 2001 por Sylvia Guimarães, Maria Teresa Neimberg e Laís Fleury. Movidas pela curiosidade, as três amigas, moradoras de São Paulo, decidiram conhecer a Amazônia e fazer algo em prol das comunidades visitadas. O projeto piloto consistia em montar uma biblioteca, composta por uma estante recheada de livros de literatura e acompanhada de uma formação de mediadores de leitura. A expedição durou 10 meses e percorreu a Amazônia Legal, implantando dezenas de unidades. A ação foi tão bem sucedida que foi retomada pouco tempo depois e se tornou um trabalho permanente.
Em 15 anos, o projeto já formou 3.173 mediadores de leitura e 482 multiplicadores da metodologia, além de receberem o apoio de mais de 800 voluntários. Desde 2001, 86.328 livros novos foram distribuídos e mais de 22 mil crianças e jovens foram beneficiados apenas em 2014. “Os números são expressivos e nos dão muito orgulho, mas quando a gente para pra pensar na dimensão da Amazônia, ainda temos muito trabalho a fazer”, ressalta Sylvia. A partir da expedição de avaliação, a ONG vai montar um relatório e estudar maneiras de se fortalecer.
A presidente da entidade enfatiza que a Vaga Lume quer crescer e está em busca de parceiros. “A nossa metodologia é o nosso trunfo, estamos tentando engajar pessoas e empresas em São Paulo e na Amazônia, sempre tendo em mente que essa causa, do acesso à leitura, é muito humanitária, pois promove cidadania em uma região estratégica”, pontua. A ONG tem um esquema de contribuições mensais no valor de R$ 30, basicamente o preço de um livro, através do site www.doe.vagalume.org.br. Sylvia também incentiva as doações por meio da Lei Rouanet, que podem ser feitas tanto por pessoas físicas quanto jurídicas até 30 de dezembro. O valor investido é ressarcido no ano fiscal seguinte, na forma de abatimento ou restituição no Imposto de Renda.
SERVIÇO:
Site: http://www.vagalume.org.br/ e http://doe.vagalume.org.br/
Facebook: /AssociaçaoVagaLume
Telefone: (11) 3031-8535
E-mail: colabore@vagalume.org.br