Da Redação
Parcelar o pagamento do tratamento odontológico é o grande trunfo das clínicas populares, que praticamente dobraram no Estado. Até o final do ano passado, o Conselho Regional de Odontologia do Pará (CRO) tinha 35 estabelecimentos cadastrados e fechou o mês de abril deste ano com um total de 68. Além disso, os preços baixos oferecidos para restauração de dentes, implantação de aparelho ortodôntico e outros procedimentos facilitou o acesso da população de baixa renda ao tratamento dentário, o que incentiva a preocupação com a saúde bucal.
A presidente da comissão de ética do Conselho, doutora Giane Bestene, reforça que é visível a maior conscientização das pessoas em relação à importância de manter uma higiene bucal. “Esse crescimento também pode ser um reflexo da deficiência na rede pública, então a população vislumbra a oportunidade de conseguir o atendimento com um custo bem menor”, completa. Ela explica que as clínicas populares costumam trabalhar com um grupo de dentistas que atende um grande fluxo de pacientes e recebe comissão sobre a produção diária, que varia entre 30% e 40%.
Giane calcula que uma restauração simples custe, em média, de R$ 30 a R$ 60, mas frisa que nenhuma clínica é obrigada a seguir uma tabela de preços, apesar do CRO possuir uma planilha de Valores de Referência Regional para Procedimentos Odontológicos (VRRPO). Porém, é primordial que se observe as condições de biossegurança do local, que incluem a esterilização dos materiais e as condições do ambiente de atendimento. “É preciso ficar atento também à qualidade do tratamento, pois os baixos preços podem influenciar nos serviços”, alerta.
Apesar de ser um atrativo, a propaganda dos serviços odontológicos por um custo acessível não é recomendada pelo Conselho. O novo código de ética da profissão, que entrou em vigor em janeiro deste ano, estabelece que o uso das palavras popular, do povo, pop, para todos, e similares constituem infração ética, por ser considerado “aviltamento à profissão”. Giane acrescenta que também é irregular a divulgação, seja em panfleto ou outro meio, de expressões como "preços baixos", "avaliação grátis", "preços populares", "preços que você pode pagar", ou até mesmo a distribuição da tabela dos procedimentos com seus respectivos valores.
As clínicas registradas no CRO já foram notificadas, mas o trabalho de fiscalização só será intensificado a partir de outubro, para que os proprietários tenham tempo de se adequar à medida, informa ela. “Essa regra vem para deixar claro que a Odontologia é uma ciência, um serviço de saúde, e não meramente um comércio”, enfatiza. As reclamações em relação às condições de funcionamento e aos serviços prestados partem tanto dos pacientes quanto dos profissionais e não se concentram somente nas clínicas populares.
A equipe responsável por fiscalizar as denúncias recebidas no Conselho reúne integrantes das comissões de ética e jurídica, além de agentes da Vigilância Sanitária. O CRO não possui autoridade para interditar uma clínica, mas isso pode mudar caso o projeto de lei 5845/2001 seja aprovado. “Com essa lei nós poderíamos fechar os estabelecimentos por infrações éticas, que incluem atividade em ambiente insalubre”, complementa Giane. As punições vão desde uma advertência confidencial até a cassação do exercício profissional.
A clínica Popdents possui quatro unidades de atendimento em Belém e reúne 22 dentistas só no posto localizado em frente ao Ver-o-Peso. O panfleto da empresa, que diz “Dentistas para todos”, informa os serviços realizados após a avaliação gratuita: próteses, extrações, tratamento de canal e outros. A gerente da unidade, Patrícia Zamorim, afirma que a clínica ainda não foi notificada sobre a proibição no uso dos termos estabelecida pelo Conselho Federal. “As alterações necessárias serão feitas, mas não deverá afetar a procura dos clientes”, acredita. Segundo ela, os procedimentos mais procurados são as restaurações e os aparelhos ortodônticos.
Para a costureira Lerdinalva Mendes, 64 anos, o barato saiu caro. Na busca pelo tratamento odontológico dividido em parcelas acessíveis, ela teve um prejuízo de quase R$ 20 mil. A empresa inicialmente contratada por ela, em 2009, foi a Imbra Tratamentos Odontológicos, que faliu no ano seguinte e deixou incompleto o tratamento dela e de outras centenas de clientes. “Os procedimentos eram complexos e foram orçados em R$ 12 mil, que pagaria em parcelas, mas cheguei a quitar 60% do valor sem ter recebido os serviços”, conta.
Quando notou a péssima qualidade dos implantes, ela tentou cancelar o contrato, mas teve as consultas adiadas até que foi comunicada do encerramento da empresa ao chegar à clínica para atendimento. “Depois disso tive que recorrer a outros profissionais para consertar os erros causados pelo tratamento inadequado e desembolsar mais R$ 10 mil”, relata. Ainda assim, a costureira não conseguiu concluir o tratamento, que precisou ser interrompido por falta de dinheiro, já que ela não conseguiu reembolsar a quantia.
Agora, ela pensa em procurar uma clínica popular, mas tem receio de que o problema se repita. “Faltam procedimentos simples, que são oferecidos a baixo custo em várias clínicas, mas fico apreensiva pela qualidade”, reforça ela, que espera uma fiscalização maior dos órgãos responsáveis. O Conselho tem, em todo o Estado, 409 clínicas cadastradas, sendo 233 na capital paraense. Dos 4.069 cirurgiões dentistas registrados, 2.399 atuam em Belém. Qualquer irregularidade observada pode ser comunicada ao órgão por meio do telefone 3205 1600, das 8h às 17h, de segunda a sexta.
INFOGRÁFICO
O que observar em uma clínica odontológica para evitar complicações no tratamento
- Estrutura do ambiente: Infiltrações e mofo nas paredes propiciam a proliferação de fungos e bactérias
- Condições dos instrumentos: Materiais sujos ou enferrujados podem transmitir doenças.
- Esterilização das ferramentas: Para eliminar uma possível contaminação, é necessário esterilizar em uma estufa, o uso somente de álcool não é o suficiente.
- Licença para funcionamento: O estabelecimento precisa expor em local visível os registros junto ao Conselho, assim como a autorização da Vigilância Sanitária.
- Uso de luvas, máscaras, jaleco e gorros: São materiais básicos dos profissionais, que precisam ser utilizados durante o atendimento para assegurar a proteção á saúde do dentista e do paciente.
- Qualidade do atendimento: Próteses e restaurações que duram pouco tempo, ficam desajustadas ou caem são sinais de material e/ou aplicação precários. O paciente pode e deve procurar o profissional e, caso não seja assistido, o Conselho.
FONTE: DOUTORA GIANE BESTENE, CONSELHO REGIONAL DE ODONTOLOGIA DO PARÁ.